05 dezembro 2005

Carta de um emigrante angolano nos States

Recebi, via correio electrónico, uma interessante mensagem sob a forma de epístola de um emigrante angolano na Florida, EUA, para um seu irmão residente em Luanda.
Apesar de, em algumas partes, não concordar com partes do conteúdo, não posso – nem quero – deixar de aqui colocar esta interessante carta tanto pela ironia da mesma como pela tentativa de pedagogia e crítica social que a referida encerra.
Aí fica ela. Leiam, divirtam-se e, se possível, ponderem. Até porque esta carta poderia ser de um outro qualquer emigrante, africano seja de outro continente, num qualquer outro país de acolhimento teoricamente mais avançado.

CARTA DE UM EMIGRANTE ANGOLANO NA FLORIDA/EUA, PARA O SEU IRMÃO EM LUANDA

Mano Jossias, como se vê, "as árvores não te deixam ver a floresta".
Como podes clamar-te pobre, e pedires o meu apoio para a compra da casa, quando és capaz de pagar por uma cerveja quase 1 dólar, mais do dobro do que pago eu, e na nossa terra o consumo per-capita de cerveja é o dobro daqui.
Quando te dás ao luxo de pagar tarifas de telefone fixo ou celular, cerca do dobro do que me custam a mim, e ainda por cima permites que essas mesmas tarifas sejam aumentadas sem sequer te avisarem?
Ou quando tu compras uma viatura por US$ 25.000,00, que a mim não me custa mais do que US$ 12.000,00, completa de extras que me permitem viajar a todo o lado em segurança e conforto. Repara bem que só pelos extras que uma viatura vendida aqui tem de série, tu pagas aí mais do que eu compro aqui a viatura toda.
EU NÃO TE ENTENDO!!!
E a gasolina. Sabes quanto pago por litro. US$ 0,36. Quanto pagas tu? Mais de US$ 0,50. AINDA VIAJAS, MANO?
Quando tu queres comprar casa quanto te custa? Falaste em US$ 120.000. E se fores ao Banco pedir financiamento, pagas 10 casas iguais em 15 anos, ao juro anual de 45%. Sabes quanto me custa a mim? Menos de USD 25.000. E posso pagar nos mesmos 15 anos a juros inferiores a 3%.
ÉS UM HOMEM RICO, IRMÃO!!!
Pobres somos nós, os emigrantes que vivemos na Florida, já que o Governo do Estado, tendo em conta a nossa situação financeira, que é precária, nos cobra somente 2,5% de imposto (há outro de 4% que é Federal), o que totaliza 6,5% de impostos ao consumidor final (IVA), e não 17% que pagas, aí, de IVA, por exemplo pela água e pela farinha.
Sabes quanto pago de seguro saúde familiar e reforma? 10% anual do meu salário. Quanto pagas tu de segurança social? 7%. E Imposto de Rendimento? Mais 10%. A diferença até não é grande. Mas sabes que ainda o ano passado a Tina teve os gémeos num hospital que mais parecia um hotel e quanto paguei? ZERO.
Quanto te custa a ti um parto numa qualquer clínica? Mais de US$ 1.500. A alternativa é aquele pardieiro a que chamam hospital que depois de pagares mais de US$ 250 num quarto "especial" por um parto mal assistido, com alimentação à tua conta e 5 dias de internamento, ainda te mandam embora com a mulher e o filho cheios de malária ou outras infecções.
E a tua reforma? Já fizeste os planos de como vais viver quando te reformares e receberes mensalmente menos de US$ 40? Como morreu o Papá, depois de 6 anos à espera de uma reforma que nunca chegou e que acabou por matá-lo? E os quase 40 anos de trabalho dele nos CFB, contaram para quê?
Sabes quanto recebo eu, de cada vez que por doença justificada tenho de faltar ao trabalho. US$ 150 por dia. E daqui a 15 anos quando me reformar? Mais de US$ 5.000 mensais até morrer ou então a totalidade dos meus descontos ao longo da vida, acrescidos de 100%, de uma única vez.
Então de que servem os teus descontos, mano?
ÉS DECERTO MUITO RICO PARA ESBANJARES DINHEIRO ASSIM!!!
Um País que quase não tem indústria, como é capaz de cobrar ás empresas uma contribuição industrial de 35%, como aí na nossa terra, e, ainda por cima, querem que pague adiantado. De facto, só sendo ricos é que se justificaria pagar um imposto desse calibre.
Necessariamente, têm que nadar em abundância, aí em Angola. És pobre porque ganhas US$ 200 por mês. Pobres somos nós que não pagamos tantos impostos e ganhamos US$ 3.000,00. Somos tão pobres, aqui nos EUA, que as escolas públicas emprestam os livros de estudo aos nossos filhos, prevendo que não tenhamos com que comprá-los, enquanto tu gastas por ano nos mesmos livros, dos 3 miúdos, mais que o teu salário de um mês inteiro.
Às vezes, fico, até, com inveja, pensando que, quando em Angola se pede um empréstimo, os bancos são capazes de cobrar mais de 45% de juro, ao ano.
PAGAR ISSO É SER RICO!!!
Não como aqui que chegamos a pagar menos de 4% de juro ao ano, justamente porque não estamos em condições de pagar mais do que isso.
Tu aí em Luanda, de cada vez que te queres deslocar ao Sumbe, pagas de transporte ida e volta mais de US$ 30, arriscas a vida em carros que mal servem para transportar gado, enquanto eu, porque sou emigrante pobre, por cerca de US$ 10 mês, tenho direito a um título que me permite deslocar dentro do Estado da Florida para qualquer local, sem pagar mais um cêntimo, e na maior das comodidades.
Aí, pagas US$ 20,00 a US$ 25 por uma refeição, num restaurante qualquer com direito a vinho, mesa e toalha, enquanto que eu não pago mais de US$10,00 e o vinho vem do mesmo local de onde vem o teu.
E na maioria das vezes nem direito tens de reclamar quando a comida te provoca desarranjo intestinal, enquanto eu nesse caso, imediatamente pediria uma indemnização ao restaurante que chegava a para viver o resto da vida sem problemas. E rapidamente a questão seria resolvida.
Por uma noite num hotel, aí pagas de US$ 80,00 a US$ 150,00, enquanto que, aqui, não pago mais de US$ 50.00. E sou tratado como um igual, enquanto tu, porque és negro, és quase empurrado porta fora, e na tua terra.
Por último, parece que mais de 80% da população activa, aí na nossa terra, está desempregada, enquanto que, aqui, só 4% estão na mesma situação.
Não te parece que, viver sem trabalhar, é um luxo que só os ricos podem ter? E, nesse caso, não haveria em Angola 30 vezes mais ricos do que aqui?
Faz as contas, mano.
Quem é rico e quem é pobre? Se conseguires responder-me a isto de forma convincente, falarei à Tina na possibilidade de te ajudar, apesar de sinceramente me parecer que não precisas.
Um grande abraço do mano Jeremias

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