04 fevereiro 2007

O 4 de Fevereiro, uma outra visão

(esta é a única homenagem luandense conhecida ao Cónego Manuel das Neves)

por: Jaime de Sousa Araújo Júnior*

Há quem diga que “A História faz-se” no sentido de que a história é a que nós – homens – quisermos fazer ou a que melhor nos aprouver. Por não ser um intelectual, por não possuir formação universitária, quer em Filosofia, quer em História, deixo esta forma de dizer e transmitir aos que possuem aqueles ou outros cursos universitários, uma vez que parece terem o saber para assim dizerem.
Preferimos que a história, aquela que deve ser transmitida e ensinada, continue a ser a narrativa dos factos e que o resto, para além de ruído de fundo, não passe de interpretações e análises dos que legitimamente o fazem. A versão de qualquer facto histórico, para mim, modestamente enquadra-se no que acabamos de referir: interpretação e análise.
O 4 de Fevereiro é um marco histórico que enobrece a Nação Angolana. Falar do 4 de Fevereiro de q961, ainda hoje, se torna uma tarefa difícil, por parecer provocante para uns e incómoda para outros tantos. Fazemo-lo com a simplicidade que nos é apanágio, e com o adequado rigor moral e honestidade intelectual. Fazemo-lo tanto quanto aos factos ocorridos e estritamente registados e ainda quanto a memória nos permitir deles lembrarmo-nos.
Recordar o 4 de Fevereiro é permitir que outros saibam que naquele dia do Ano da Graça de Nosso Senhor, de 1961, um número significativo de Nacionalistas Angolanos produziram factos que, para sempre residirão na memória colectiva dos Angolanos e que marcarão a história do processo de Libertação de Angola. Recordar o 4 de Fevereiro é lembrar a História, que em nossa opinião é como a vida dos Povos e das Nações, uma narrativa viva e dinâmica, que deve ser contada, lembrada e escrita para que faça parte da honra Colectiva dos Povos e se não apague da memória. Nós, Angolanos, temos memória colectiva e honramo-nos da Acção Armada levada a cabo no dia 4 de Fevereiro do ano de 1961.
Depois de um longo caminho por reivindicações para fim das desigualdades que davam lugar à escravatura e que se pusesse fim ao regime colonial, substituindo-o pela Independência, o ano de 1954 ficou marcado por acções internas de consciencialização das populações de Angola. Foi nesse ano que alguns angolanos residentes no Congo ex-Belga [actual República Democrática do Congo] se deslocaram a Luanda, com pretextos oficiais de renovar documentos e visitar familiares. Aproveitando essas deslocações contactaram com alguns compatriotas, como Cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves, Vítor de Carvalho, António Pedro Benje, Francisco Weba e alguns outros nacionalistas. Destes contactos produziram-se as sementes do que viriam a ser, mais tarde, as revoltas de 4 de Janeiro e de 4 de Fevereiro de 1961. Células clandestinas, bem estruturadas e fortes, criaram-se; e, em 1951, as mesmas desenvolviam, particularmente em Luanda, um trabalho político intenso e também ele clandestino. Era a formação da consciência pela Libertação Nacional; irreversível e de acção cada dia mais abrangente.
Muitas destas células agrupavam nacionalistas como, Agostinho André Mendes de Carvalho, Garcia Lourenço Vaz Contreiras, Armando Ferreira da Conceição Júnior, João Fialho da Costa – também conhecido por Costa Nkodo, ou Kimpiololo – eram afectas à UPA [União dos Povos de Angola] e procediam a recolha de Quotizações (in: MEDINA, Maria do Carmo, “Angola – Processos políticos da Luta pela Independência”, págs. 137 a 153).
De toda esta acção clandestina destacam-se Herbert Pereira Inglês, Manuel da Costa Kimpiololo, que já nos deixaram, e João César Correia, por terem a difícil missão de assegurar a ligação entre o venerando Cónego Manuel das Neves, então já vice-Presidente, e a Direcção da UPA no exterior. Sobre a orientação do Cónego, outros nacionalista se juntaram, como Paiva Domingos da Silva, Neves Bendilha, Imperial Santana e Virgílio Souto Mayor.
Os anos foram passando e o Congo se tornava independente, em 1960, para júbilo dos Angolanos que viram, assim, reforçados os ânimos para levarem por diante os seus objectivos, fortalecidos com o desvio do paquete Santa Maria, pelo capitão Henrique Galvão que fragilizou o poder colonial. Relembremos que o desvio deste paquete trouxe inúmeros jornalistas das Agências Internacionais a Luanda, onde se previa que o navio acostasse, e ao Brasil, onde acabou por aportar. Isto trouxe Angola para as páginas dos grandes jornais e das importantes agências internacionais. Luanda chegou, na altura, ter o privilégio de ser visitada por um dos candidatos presidenciais dos EUA. Nessa visita, um membro da Administração, que clandestinamente era elemento de ligação entre o Cónego Manuel das Neves, procedeu a contactos com o candidato e estabeleceu o ambiente e o local para o encontro com o Venerando cónego.
Da conversa havida o candidato aconselho o Cónego a decidir-se por uma Acção Armada e Imediata.
Estavam assim estabelecidos o ambiente adequado, o tempo próprio e os estímulos para que na madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961 se desencadeasse a Acção Armada pela Independência.
Estes os factos. As versões, as interpretações e as análises ficam para quem as quiser ter e fazer. Todos têm legitimidade para tanto, sem que os factos deixem de o ser e da forma como foram produzidos
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* Vice-Presidente da Casa de Angola, em Lisboa [artigo da inteira responsabilidade individual do autor que deve ser complementado com a entrevista, hoje publicada, no Notícias Lusófonas]
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ADENDA: sobre a temática do 4 de Fevereiro, um dos principais Dias Nacionais de Angola, ler o artigo do Angonotícias onde algumas das personalidades evocadas por Jaime Araújo Jr. merecem também relevo.

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