28 junho 2025

O acordo de paz – “Washington Accord” – entre RDC e Ruanda de 27 e Junho de 2025


foto ©The Washington Post, June 28,2025)

Washington DC, a bonita e palpitante capital dos EUA que conheci há uns (larguinhos) anos, assistiu, ontem, 27 de Junho do Ano da Graça de 2025, à sessão solene da assinatura da projecto de um Acordo de Paz, proposto por Donald Trump – consegue estar em todas –, e acompanhado pelo Qatar e apela União Africana (UA), entre a República Democrática do Congo (RDC), representada pela sua Ministra das Relações Exteriores (MIREX) Thérèse Kayikwamba Wagner, e o Ruanda, representada pelo seu MIREX, Olivier Nduhungireh, sob o testemunho atento e “enternecido” do secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio.

Em breve, está previsto a assinatura deste Acordo, o “Washington Peace Agreement of June 27” ou “Washington Accord”, com a presença dos presidentes da RDC, Felix Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame, e, segundo parece do presidente João Lourenço, presidente em exercício da UA, por sugestão explícita de Trump!

O “Washington Accord” estabelece um cessar imediato de hostilidades, o fim do apoio estatal – seja o que isto for –, a grupos armados como o M23 (supostamente – ainda que haja um relatório da ONU, de Outubro de 2024, a afirmá-lo – apoiado por Ruanda) e à FDLR (Democratic Forces for the Liberation of Rwanda, a operar a partir da RDC contra o Ruanda). Além disso, prevê a retirada das tropas ruandesas do território congolês, em até 90 dias, a criação de um mecanismo conjunto de coordenação de segurança, desarmamento e integração de grupos armados, e a projecção, em 90 dias, de um quadro de integração económica regional voltado aos países dos Grandes Lagos.

O “Washington Accord” apresenta-se como um marco geopolítico com múltiplos interesses, de que se destacam a :

  • Garantia de soberania e segurança da RDC que tenta conter a influência ruandesa e a soma dos protestos contra a presença militar estrangeira, que já provocaram hostilidades e manifestações em Kinshasa, não só contra ruandeses, mas, também, contra o Governo de Tshisekedi; e (e aqui está a mãozinha desinteressada de Trump aliada à sua estratégia eleitoral de “America First”…);
  • Os EUA asseguram acesso a minerais estratégicos (coltan [columbita e tantalita], cobalto – detém cerca de 4/5 da reserva mundial –, lítio), fundamentais para indústrias de tecnologia e veículos elétricos, como forma de contrapôr ao domínio chinês na RDC, onde explora 15 das 19 principais concessões mineiras de cobre e cobalto industrial, após concessão dada por Kabila Kabangu (ADF, 2023);
  • Já o Ruanda ganha legitimação internacional, evita sanções e garante que seus interesses no leste congolês acabam reconhecidos sob um novo formato formal de segurança, não claramente clarificado;
  • O acordo abre caminho para investimentos em infra-estruturas, cadeias de valor e mineração, impulsionando um quadro integrado de desenvolvimento regional, ou seja, pode se tornar num catalisador económico regional.

Só que, apesar dos dois principais movimentos oposicionistas terem estado nas conversações que ocorreram no Qatar – tal como já tinha acontecido em 19 de Março passado, quando o emir qatari Tamim a-Thani interferiu com a tentativa de Luanda em (re)fazer a Paz sob o patrocínio da UA (RB, 2025)  – , sob a natural supervisão dos EUA, tal como nos Acordos e Protocolos de Luanda e de Nairobi, na assinatura ambos não estiveram – nem se prevê que venham a estar na cimeira dos presidentes – na assinatura do “Washington Accord”.
Recordamos o que deu a sua não presença em Luanda e em Nairobi…

Não é em vão que a maioria dos analistas destacam que a ausência do M23, o principal grupo armado activo no leste da RDC, na assinatura deste Acordo, e criará um vazio estratégico grave (Tasamba, 2025). Até porque o texto não parece abordar medidas reais de desmantelamento do grupo nem responsabilidades, considerando que o M23 controla territórios desde Janeiro de 2025 (em particular, as cidades de Goma e Bukavu), como já o não previa o “Acordo de Doha” (Qatar), de Março de 2025 (RB, 2025). Tal como a FDLR não é tida, nem achada…

Todavia, por sua vez, também nas obrigações “estatais” há assinaláveis discrepâncias que poderão se tornar preocupantes em futuro brave. Assim, enquanto à RDC é exigida a neutralização da FDLR e reintegração de grupos armados anti-governamentais, ao Ruanda é apenas obrigado a se comprometer a “reduzir medidas defensivas” e retirar suas tropas, sem que esteja definido um cronograma claro ou sanções por incumprimento (Mwendanga, 2025).

Ora, face estas “diferentes atitudes”, apesar do interesse que o “Washington Accord” acarreta e se propõe, como compromissos formais (mais para uns, que para outros) e, principalmente, incentivos claros à Paz, há que ter em conta que…

·         se há pontos positivos, como: i) primeira sinalização forte de uma futura cooperação entre RDC e Ruanda, em décadas; ii) estímulo a investimentos e cadeias regionais de riqueza, com vista a toda a área regional dos Grandes Lagos; iii) pressão externa americana com acesso geoestratégico a minerais (American First);

·         também há, e sem quaisquer dúvidas, pontos fracos e riscos assinaláveis, como: i) ausência do M23 como parte do acordo reduz sua legitimidade; ii) mercantilização da paz coloca minerais acima de justiça e direitos humanos; iii) implementação ambígua e sem cronogramas firmes.

Na realidade – e este é um dos maiores deste Acordo – a paz real (que traduza em estabilidade, segurança e reconciliação) dependerá mais da execução concreta do Acordo do que das figuras políticas do momento. O “Washington Accord” pode se tornar num pilar de desenvolvimento ou num documento estéril, se seus termos não forem aplicados no terreno por gestores políticos locais, com coerência e justiça para as vítimas (estas, na prática, são olvidadas do Acordo)

Em conclusão, “Washington Accord”, de 27 de Junho, tem todas as condições – ou deveria, de facto, tê-las – para ser um notável documento que visa unir diplomacia de alto nível, urgência militar e interesses geo-económicos numa estrutura bastante emblemática. A promessa de paz em troca de estabilidade e acesso a minerais não deixa de ser um pensamento pragmático e estratégico da parte dos EUA, ou seja, de Trump.

No entanto, para evitar que senão acabe por se tratar mais de uma “paz comercial” em detrimento de uma paz verdadeira e concreta, será preciso que:

  1. o apoio ao M23 seja claramente desmantelado (se sem ter sido tido, nem achado, o M23 parar as suas hostilidades, será a prova inequívoca que era um grupo nas mãos de Kigali);
  2. todos os grupos armados sejam efectivamente desarmados e integrados num processo de reconciliação;
  3. os direitos das vítimas – parte que parece esquecida do Acordo – e a justiça sejam, de facto, protegidos;
  4. haja um real monitoramento internacional e que sanções sejam previstos para incumprimentos dos propostos no Acordo.

Sem estes elementos, o “Washington Accord” corre o risco de ser mais um remendo político, a juntar aos anteriores, sem condições de romper o ciclo de violência que já deslocou milhões e causou devastação humanitária no leste da RDC, bem como depauperação das suas riquezas naturais que são exploradas e negociadas por terceiros, umas sem real retorno ao país, e outras que ficam nas mãos de terceiros que nem as exploram (directamente)

Veremos o que dirá a Cimeira dos Presidentes que irão assinar, em definitivo, o “Washington Accord”. Quando? Esperemos que breve para não arrefecer este espírito de “boa-vontade”(?)…

Algumas referências:

ADF equipa (2023). Exploração Mineira Chinesa ‘Destruindo Vidas’ na RDCAfrican Defense Forum, Outubro 3, 2023; https://adf-magazine.com/pt-pt/2023/10/exploracao-mineira-chinesa-destruindo-vidas-na-rdc/

Asadu, Chinedu (2025). Trump helped these African countries sign a peace deal. Here’s what we knowThe Associated Press, Updated 11:21 PM WEST, June 27, 2025; https://apnews.com/article/congo-rwanda-peace-agreement-trump-us-minerals-f74d15074cbadf35bedf37316bc722a6  

Birnbaum, Michael et all (2025). Trump seeks crown as world peacemaker, brokering truce in central AfricaThe Washington Post, June 28,2025; https://www.washingtonpost.com/politics/2025/06/27/trump-peace-deal-rwanda-drc/

Mwendanga, Daniel (2025). Strategic Analysis — DRC&Rwanda_The Washington Peace Agreement of June 27Medium.com;  https://medium.com/%40mwendangad/strategic-analysis-drc-rwanda-the-washington-peace-agreement-of-june-27-2025-psb-drcongo-gmail-co-fc51eb07b1e0

Psaledakis, Daphne, Sonia Rolley &Ange Adihe Kasongo (2025). Rwanda, Congo sign peace deal in US to end fighting, attract investmentReuters, June 27, 202511:43 PM; https://www.reuters.com/world/africa/rwanda-democratic-republic-congo-set-sign-peace-agreement-washington-2025-06-27/

RB (2025). RDC/Ruanda: Presidentes Tshisekedi e Kagame comprometem-se com cessar-fogo imediato – Acordo não impõe saída dos rebeldes M23 das áreas conquistadas no leste congolêsNovo Jornal, 19 de Março 2025 às 09;43; https://novojornal.co.ao/internacional/detalhe/rdcruanda-presidentes-tshisekedi-e-kagame-comprometem-se-com-cessar-fogo-imediato-acordo-nao-impoe-saida-dos-rebeldes-do-m23-das-areas-conquistadas-no-leste-congoles-64560.html

Tasamba, James (2025). Analysts voice cautious hope as skepticism greets DR Congo-Rwanda dealAnadolu Agency, 28.06.2025; https://www.aa.com.tr/en/africa/analysts-voice-cautious-hope-as-skepticism-greets-dr-congo-rwanda-deal/3616309