28 janeiro 2020

As cogitações do Luanda Leaks: o que trarão?


O processo Luanda Leaks expôs a nu todo um sistema que, há muito, muitos de nós vínhamos a demandar ou a delatar como estando a minar a economia, a política e todo um aparelho nacional.

Fomos sempre olhados como anti-nacionais, como anti-MPLA, como retrógrados, como imperialistas, como reacionários e outros epítetos menos fortes ou não tão apelativos.
Não vou entrar no “programa” nós é que tínhamos razão e ninguém nos levou a sério ou e agora quem são os verdadeiros culpados.

Quere-me parecer que todos temos culpas. Uns porque não teremos sabido ser imperativos nas nossas questões e denúncias, outros porque se acomodaram, outros ainda porque se o partido dizia estar bem, então tudo estava bem, outros que no Chefe nada se questionava, porque era o líder e o único capaz de gerir o País – principalmente porque vinha de um longuíssimo conflito fraterno – e, outros, por esta ou por aquela razão, achavam que nada estava tão deficiente que fosse necessários questionar e, finalmente, outros – estes parceiros internacionais – porque seguiam, seguem e seguirão eternamente que «money has no color» e, ou, «money is God».

Não sejamos hipócritas e a realidade é clara: seja quem dominar o dinheiro nacional terá sempre muitos “amigos” prontos a defendê-lo até algo correr mal.

E tudo correu e está a correr mal para a empresária Isabel dos Santos e para as suas actividades empresariais. E correu mal não só devido às denúncias de um consórcio internacional de jornalistas de investigação (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação – ICIJ, via Plataforma para África de protecção a denunciantes contra a corrupção e má gestão – Platform to Protect Whistleblowers in Africa) e de um eventual – repito, eventual, como adiante explicarei – hacker português, mas dela própria quando alardeava que toda a sua fortuna teria começado com a venda de uns quantos ovos entre amigos. Ou eram vendidos em sistema de leilão e quem mais desse, mais direito tinha a ficar com os ditos ovos, ou a hipocrisia reinante era tanta que para “satisfazer” o ego da pequena dos Santos se oferecia pelos ovos preços diamantíferos.

Como ninguém acredita em milagres destes – começar com um aviário e fazer uma fortuna, ´outra coisa completamente diferente – muitos comia, rumorejavam, mas nada diziam.
E isto acontece sempre até um dia.

E esse dia aconteceu.

O tal consórcio internacional de jornalistas denunciou a presença de mais de 715 mil documentos que teriam sido vazados de mais estranhos lugares, onde a família Isabel dos Santos/Sindika Dokolo estaria presente e em situação menos lícita nos seus negócios ou, melhor dizendo – e no caso concreto da empresária Isabel dos Santos –, na origem ou na génese do que levou aos referidos negócios.

Tudo começava a fazer sentido na órbita do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro que o Governo do Presidente João Lourenço está a levar a efeito. Uma peça, um processo que parece ter caído do céu…

Milhões de Kwanzas, Dólares, Euros, passaram a ser demais. Empreendimentos físicos e financeiros começaram a ser colocados em causa. Fala-se que até a nacionalidade foi tornada peça importante para ser descartada. O certo é que este processo parece ter caído do céu, para muita gente; em particular para o Governo do Presidente João Lourenço.
Só que há muita penumbra neste processo. Desde logo a forma e os métodos usados para aceder aos mais de 715 mil documentos.

No Jornal Folha 8, por exemplo, há um artigo do seu Director, William Tonet, de há cerca de um ano e agora recordaram, onde era denunciado que numa «mala diplomática de um ministro português» seguiriam documentos com a indicação expressa e com a recomendação de que fossem entregues ao Expresso/SIC.

Ora, as notícias que correm são que o “fornecedor” do consórcio internacional de jornalistas teria ido o hacker português Rui Pinto, facto, sublinhe-se, que, de forma indirecta, já teria sido igualmente denunciado por Sindika Dokolo; se esta foi uma forma do hacker tentar minorar a sua situação jurídica em Portugal e, por esta via, obter mais apoios internacionais no sentido de passar de “invasor” a “denunciante”, principalmente junto de autoridades europeias e, agora, angolanas, gostaria de recordar que, recentemente, os gestores da Sonangol denunciaram que antes da emissão do Luanda Leaks documentos teriam sido destruídos em ataque informático o que podem colocar em causa a “denúncia libertadora” de Rui Pinto…

Este é um processo que todos estão em causa, mesmo que a base, ou por isso mesmo, seja a corrupção. Como recorda o jornalista e economista Carlos Rosado, citado pelo Novo Jornal, a luta contra a corrupção não pode ficar pelo começo e fim na família dos Santos, porque «a corrupção em Angola é uma coisa generalizada e envolve a cúpula do Estado e a cúpula do MPLA» e que, acrescento, envolve, também, muitas pessoas ligadas à Oposição. Qualquer angolano perguntará como muitos chegaram sem nada junto da política nacional e agora – alguns – ostentam grandes fortunas?

É certo que, este processo, colocou no olho do furacão, quase que exclusivamente, a empresária Isabel dos Santos e todos os seus negócios.

É certo que, até agora, a empresária Isabel dos Santos é a principal arguida no processo que corre em Luanda e que assenta, essencialmente não no Luanda Leaks, mas numa queixa da administração da Sonangol contra aquela por «por má gestão e desvio de fundos durante a sua passagem pela companhia petrolífera estatal angolana» facto que parece estar enquadrado no Luanda Leaks. Como também é certo que todos os que, directa ou indirectamente ligados à empresária e que de uma forma directa ou indirecta acabaram ser constituídos arguidos em Angola ou viram as suas vidas viradas ao contrário se defendem das acusações como sendo incorrectas.

A empresária Isabel dos Santos, considera mesmo falsas as acusações de que é alvo e pensa levar o referido consórcio a Tribunal. Segundo o portal do semanário Novo Jornal, Isabel dos Santos diz que vai lutar nos tribunais internacionais para “repor a verdade” dado que «insiste estar a ser vítima de uma campanha “puramente política”, prometendo lutar para “repôs a verdade” e defender os seu “bom nome”».

Só que as pessoas não são estúpidas e ao contrário do que muitos pensam, as pessoas e os angolanos, em particular, pensam e de que maneira: se nada tem a recear e tudo é falso porque a empresária se está a querer desfazer de todas as suas participações em Portugal? Porque eventualmente estará – sublinho, eventualmente estará – a adoptar como nacionalidade base a nacionalidade russa e mudar a sua residência oficial para Dubai, nos EAU? Naturalmente poderá ser tudo especulações…

E esta “saída” leva a outra questão que já alguns colocam: deverão os reguladores portugueses – Banco de Portugal e CMVM –, bem como a Justiça portuguesa cativar os fundos obtidos com a alienação das suas participações, pelo menos, aquelas em que intervierem instituições portuguesas ou localizadas em Portugal?
E qual a posição do antigo Presidente José Eduardo dos Santos no meio deste processo? Teve ou não participação directa num eventual apoio à eventual formação menos correcta de capitais e a fortuna da empresária Isabel dos Santos, primogénita daquele, para a constituição da sua enorme rede de empresas?

Pouco antes da ”explosão” Luanda Leaks, o antigo Presidente ia conceder uma entrevista à agência noticiosa portuguesa Agência Lusa e cancelou-a.

Quando questionado sobre a possibilidade de Eduardo dos Santos ser chamado à PGR, esta afirmou que o antigo presidente estaria imunizado durante 5 anos contra eventuais processos judiciais. Mas, convenientemente ou talvez não, todos parecem esquecer que a Lei, de 2017, que concedeu a imunidade aos antigos Presidente e Vice-Presidentes tem cláusulas e excepção que levaria o levantamento dessa imunidade, como recorda Paulo Zua, no portal Maka Angola «Os actos praticados pelo antigo presidente da República no exercício das suas funções não estão ao abrigo da imunidade de cinco anos». E há aqui neste processo, muitos actos que podem ser imputados por eventual deficiente má-gestão.

O problema é que muitos – sejam do MPLA ou da Oposição – têm “telhados de vidro” e temem que Eduardo dos Santos se canse e comece a debitar “mais documentos” que os que levaram à explosão do Luanda Leaks. Ou como me avisava, muitas vezes um velho amigo meu, “nunca cuspa para o ar”. Não é só porque é falta de educação, mas porque não sabes nunca para que lado vira o vento e se podes receber, e volta, o “indejecto”…

Que o bom senso prevaleça. A melhor solução é, ou deverá, ser tratada fora dos Tribunais e o caso seja político – como denunciam a empresária e o seu marido (de notar que logo nos primeiros dias o Presidente congolês-democrata Felix Tshisekedi visitou o seu homólogo angolano, na província e Benguela onde o Presidente João Loureço estava a passar uns dias de férias, e preocupado, também, com a situação do seu concidadão e membro ilustre da sociedade congolesa-democrata, Sindika Dokolo, seu apoiante na luta contra Kabila Kabange, e acabou a aceitar que são os Tribunais a decidirem do processo) –, ou judicial ,deve colocar todas as partes, em Angola ou no exterior a conversar.

Só assim, todas as caras ficarão lavadas e o erário público angolano verá reentrar no País dinheiros que, eventualmente, possam ter saído menos licitamente dos cofres do Tesouro.
Agora de uma coisa também ninguém pode opugnar à empresária Isabel dos Santos: pode ter usado indevidamente fundos nacionais por “ofertação” indevida, mas é verdade que a empresária tem aplicado uma parte desses fundos no desenvolvimento da economia nacional: recordo uma empresa de telecomunicações e da área a alimentação…

Bom senso é o que se deseja.