1. Introdução: o marco dos 50 anos
11 de Novembro de 2025, Angola assinala meio século de
independência. Cinquenta anos depois, a data impõe não apenas celebração, mas
também reflexão.
A independência foi o ponto
culminante de uma luta heróica e longa, que pôs fim a quase cinco séculos de
dominação colonial portuguesa. Contudo, o sonho da libertação rapidamente se
viu ensombrado por divisões internas, guerra-civil e desigualdades
persistentes.
A história destes cinquenta anos
é, por isso, uma narrativa de conquistas e fracassos, de esperança e desencanto;
e de um país que continua em busca de si mesmo; ou, melhor, continuamos a ser “um
Povo à cata do nós mesmos”.
2. Do sonho da
independência ao trauma da guerra
A independência de Angola,
proclamada no, para alguns, já longínquo dia 11 de Novembro de 1975, pelo MPLA
em Luanda e pela FNLA, no Uíge, e UNITA, no Huambo, foi antecedida por um
processo turbulento. A queda do regime colonial português, em 1974, abriu
caminho a uma disputa pelo poder entre os três principais movimentos de
libertação: MPLA, FNLA e UNITA. O país, em vez de conhecer a unidade sonhada,
mergulhou quase de imediato num conflito armado devastador que se prolongou até
2002.
Durante décadas, a guerra-civil
dividiu famílias, destruiu infra-estruturas e consumiu recursos humanos e
materiais incalculáveis. Foi também um campo de batalha geopolítico, em plena
Guerra-Fria: com o MPLA apoiado pela União Soviética e Cuba, e a UNITA apoiada
pelos Estados Unidos e pela África do Sul. O conflito angolano foi, assim, um
espelho do mundo bipolar; mas com consequências profundamente locais e
regionais.
A paz alcançada em 2002, após a
morte de Jonas Savimbi, foi um marco histórico. Pela primeira vez desde a
independência, Angola pôde experimentar uma estabilidade política real. Mas o
preço da guerra foi altíssimo: mais de meio milhão de mortos, milhões de
deslocados e um tecido social fragmentado.
3. O tempo do
petróleo e da reconstrução
O período pós-guerra coincidiu
com o auge do petróleo angolano. O país tornou-se o segundo maior produtor de
África, atrás apenas da Nigéria. A riqueza do petróleo permitiu financiar a
reconstrução de infra-estruturas, a modernização urbana e o surgimento de uma
nova classe média. Luanda transformou-se num símbolo dessa prosperidade
repentina; e, também, das suas contradições.
Durante a primeira década do
século XXI, Angola cresceu a taxas superiores a 10% ao ano. O discurso oficial
celebrava a “paz e reconstrução nacional”. Contudo, o crescimento foi
acompanhado por uma concentração extrema da riqueza. Uma elite
político-económica ligada ao poder beneficiou de contratos milionários,
enquanto vastas camadas da população continuavam sem acesso a serviços básicos
de saúde, educação e saneamento.
A dependência quase total do
petróleo tornou o país vulnerável. A queda dos preços do crude, em 2014, expôs
fragilidades estruturais: uma economia pouco diversificada, corrupção endémica
e instituições frágeis. Ainda assim, a retórica do renascimento nacional
manteve-se, apoiada em grandes obras públicas e numa diplomacia activa em
África e no mundo.
4. A paz, o
descontentamento e o futuro
A paz trouxe estabilidade
política, mas não necessariamente coesão social. Angola vive hoje um tempo
ambíguo. Por um lado, há uma geração inteira que cresceu sem guerra, mais
escolarizada e mais conectada com o mundo. Por outro, persistem desigualdades profundas,
desemprego juvenil e um sentimento generalizado de frustração.
A transição de José Eduardo dos
Santos para João Lourenço, em 2017, abriu uma nova fase. O novo presidente
prometeu combater a corrupção e reformar o Estado. Algumas medidas simbólicas –
como processos judiciais contra figuras da elite anterior – foram vistas como
sinais de mudança. Mas a realidade mostrou-se mais complexa. A economia
continua estagnada, o custo de vida é elevado e o espaço de liberdade política,
embora menos restrito, mantém certas limitações importantes.
A paz, neste contexto, tem sido
mais um silêncio das armas do que uma verdadeira reconciliação nacional. A
justiça transicional – tema muito sensível – permanece inacabada. As memórias
da guerra ainda dividem. A construção de uma cidadania democrática exige não
apenas reformas políticas, mas também um novo contrato social entre Estado e
sociedade.
5. As (des)esperanças
da juventude pós-colonial
A geração angolana nascida após a
independência, e sobretudo depois do fim da guerra-civil, em 2002, é a primeira
a viver numa Angola em paz. Não conheceu o colonialismo, nem a luta de
libertação, nem. Principalmente, os longos anos de conflito armado. Mas sente
ainda o peso das promessas por cumprir. Cresceu num país formalmente livre, mas
socialmente desigual, e num contexto em que as grandes narrativas
revolucionárias se foram esvaziando de sentido para dar lugar ao pragmatismo da
sobrevivência quotidiana.
Esta juventude é urbana,
escolarizada e [fortementre] digital. Vive conectada com o mundo através das
redes sociais, consome cultura global e expressa-se por meio da música, do
humor, do activismo e da arte. É nela que se fazem ouvir as novas linguagens da
cidadania: as rimas do rap de Luanda, os colectivos de arte urbana, as páginas
digitais que questionam a corrupção e a desigualdade. Mas é também uma geração
marcada por altos níveis de desemprego, precariedade e desconfiança em relação
ao Estado. Para muitos jovens, o sonho é partir; estudar ou trabalhar fora,
regressar apenas se houver esperança de mudança [e quando regressam…].
A independência, para esta
geração, é uma herança mais do que uma experiência. Já não mobiliza paixões
políticas; é um ponto de partida, não de chegada. A distância entre o discurso
oficial, centrado na epopeia da libertação, e as preocupações reais da
juventude – como habitação, emprego, liberdade – revela uma fratura simbólica
entre gerações. Ainda assim, os jovens pós-coloniais não são apáticos:
reinventam formas de participação e resistência que não passam necessariamente
pelos partidos.
O futuro de Angola dependerá, em
grande medida, da capacidade de integrar esta juventude no projecto nacional; o
Corredor do Lobito e outras infra-estruturas similares, serão um dos veículos
para atrair esta juventude altamente escolarizada.
É um Juventude que exige ser escutada,
valorizada e incluída nos processos de decisão. Isto será fundamental para que
os próximos cinquenta anos de independência não se resumam à manutenção da paz,
mas à conquista da justiça, da criatividade e da esperança colectiva.
6. Conclusão: entre
a memória e a esperança
Cinquenta anos depois da
independência, Angola é – SOMOS – um país de contrastes. As promessas da
libertação – como a soberania, a dignidade, a justiça social – continuam, em
grande parte e infelizmente, por cumprir. Mas também é inegável o progresso
alcançado: somos um Estado consolidado – ainda que o problema de Cabinda,
persista –, uma geração em paz – mas que não deixa de quando em vez, estar em
guerra em Cabinda –, um lugar relevante e respeitado no continente africano.
O desafio dos próximos cinquenta
anos será transformar a paz em desenvolvimento sustentável, e a independência
em verdadeira cidadania. Isso implica diversificar a economia, fortalecer as
instituições, proteger as liberdades e investir na educação e na juventude. O
maior risco é o imobilismo; a maior esperança, é, indiscutivelmente, a
vitalidade do povo angolano.
A independência de Angola foi, e
é, uma conquista irreversível. O que nos falta, é cumprir-lhe o sentido. Entre
o sonho e o desencanto, resta a tarefa (urgente e coletiva) de reinventar o
futuro.
Assim o procuremos fazer e assim
nos deixem, a TOFOS, fazê-lo. Até porque, como referi no início, continuamos a
ser “um Povo à cata do nós mesmos”
VIVA ANGOLA!

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