"A crise política da passada sexta-feira, dia de 15 de Julho de 2016, ocorrida na Turquia e que, supostamente, teria como meta final a deposição do regime do presidente Erdogan, tem mostrado ao longo dos dias subsequente algumas discrepâncias e alguns “efeitos” pouco claros face à possível existência de um eventual Coup d’ État (Golpe de Estado), ainda mais militar. Senão vejamos:
1. As rádios, televisões e outros organismos
governamentais considerados importantes são dos primeiros objectivos a serem
tomados. Só a televisão pública é que foi tomada. Também as páginas sociais,
quando há crises, são sempre das primeiras medidas a tomar: bloquear o seu
acesso e evitar eventuais fugas de informações. Todavia, havia uma para o sr.
Erdogan poder falar e para uma Tv privada; ora depois de “restaurada” a
legalidade constitucional, foi uma das primeiras medidas do “Governo” de
Erdogan: bloquear todos os acessos a páginas sociais!...
2- Todos os partidos, incluindo o partido pró-curdo e
o principal opositor, o mullah Gülen (acusado por Erdogan de ser o instigador
do "golpe") condenaram a tentativa de Golpe de Estado.
3. Falou-se que Erdogan tinha pedido asilo à Alemanha
que teria recusado e ter-se-ia deslocado para o “seu inimigo fidalgal persa”
onde teria aterrado em Teerão. Só que menos de 1 hora depois estava sobrevoar
Instanbul. Como é possível?
4. Erdogan afirma que a “Revolta” (reparar que ele não
chama de Golpe) foi um presente de Deus para “limpar” o Exército.
5. Resultado não só os militares estão a ser objecto
de “limpeza” – entre eles o
general Adem Huduti, comandante do Segundo Exército a ser a figura de patente
mais elevada a ser detida por alegada ligação ao golpe – como também
magistrados (?!). Se o golpe era militar, porquê os magistrados? Já são mais de
7000 detidos, incluindo cerca de 2750 magistrados, entre eles dez magistrados do Supremo Tribunal Administrativo
e um Juiz do Tribunal Constitucional! Também ocorreram inúmeras detenções e suspensões em massa de
funcionários no aparelho de Estado (cerca de 9000 pessoas).
6. Registe-se que durante o Golpe, revolução ou, mais
provavelmente, Intentona, pilotos rebeldes
de dois caças F-16 terem tido na sua mira o avião presidencial que transportava
Erdogan no regresso das suas férias perto da estância de Maramaris. Podiam
tê-lo abatido ou interceptado mas não o fizeram. “Pelo menos dois F-16 se
puseram no caminho do avião de Erdogan quando este seguia a sua rota em
direcção a Istambul. Foram detectados nos radares, bem como a outros dois F-16
que o protegiam”, terá revelado à agência Reuters um antigo militar na análise
sobre os eventos da noite de 15 de Julho. “O motivo por que não dispararam é um
mistério”, concluiu o antigo militar. Será que foi mesmo um mistério? E porque
os F16 que protegiam o avião de Erdogan – pelo menos um deles – não foram ao
encalce dos supostos aviões rebeldes?
7. Como é que o segundo maior exército da NATO se
“acanhou” perante os civis – as fotos internacionais assim o mostram
(acobardados e encolhidos como crianças apanhadas em falta) –, quer na rua,
quer principalmente, na televisão pública em que foram rapidamente manietados e
enxovalhados pelos jornalistas?
8. Exigiu aos EUA a entrega do mullah Muhammed Fethullah
Gülen acusando-o
de instigador do Golpe. Os EUA já avisaram que só o entregarão se a Turquia
provar as acusações. Recorde-se que Gülen foi um antigo aliado de Erdogan e seu
inspirador religioso.
9. O presidente Erdogan – sublinhe-se, é sempre o
presidente que fala e não o primeiro-ministro e Chefe de Governo, demonstrando
querer o que não tem conseguido, reforço presidencialista do sistema – avisou
todos os países que acolhem eventuais acusados ou revoltosos que se não os
entregarem estarão em guerra com a Turquia. Resumindo, está a comprar um
litígio com a Grécia (deteve um helicóptero com 8 militares fugidos) e,
principalmente, com os EUA, por causa de Gulën. Note-se que Erdogan terá
sugerido que Washington DC poderá ter sido
cúmplice da tentativa de golpe, levando o Departamento de Estado
norte-americano através de comunicado a alertá-lo que “Insinuações públicas ou
afirmações relativas a um qualquer papel dos EUA no golpe falhado são
absolutamente falsas e fragilizam as relações bilaterais”.
10. Uma das primeiras medidas do Governo (??) turco foi
suspender "temporariamente" as acções aéreas, a partir da base aérea
turca de Incirlik de onde partem os aviões da coligação ocidental contra o Daesh.
Estranho? Ou talvez não, baseado nas diversas acusações de russos e outras
personalidades e analistas internacionais de que há turcos (alguns, familiares
de Recep) que tratam com o ISIS/EI/Daesh. Em consequência a base aérea de
Incirlik, quase inteiramente ocupada pela aviação norte-americana e aliados foi
alvo de buscas por dois procuradores
interinos turcos, acompanhados pela polícia, iniciaram buscas na base aérea de
Incirlik, conforme noticiou a agência governamental turca Anadolu. (...)" (continuar a ler aqui ou aqui)
Publicado no semanário Novo Jornal, ed. 441, de 22 de Julho de 2016, páginas 14 e
15 (Análise – e sob o ante-título da responsabilidade do Novo Jornal «Entre o oportunismo político e a realidade»)