Está começar a Cimeira G20 em Johannesburg, África do Sul, com a falta - pelo menos até agora - dos EUA e na próxima semana, (entre 24 e 25 de Novembro)a 7ª Cimeira UA-UE (creio que esta é a primeira fora a Europa).
Tendo em conta estes dois importantes eventos no Continente Africano, elaborei este mini-ensaio...
Resumo
(PT)
O
ano de 2025 marca um ponto crítico para a África na economia global, com duas
cimeiras consecutivas: o G20 em Joanesburgo (22–23 de novembro) e a Cimeira
União Africana–União Europeia (UA–UE) em Luanda (24–25 de novembro). Ambas
representam oportunidades estratégicas para reposicionar o continente na
governança financeira internacional, abordando questões centrais como dívida
soberana, transição energética, comércio, industrialização e mobilidade humana.
Este ensaio analisa em detalhe as expectativas africanas, os mecanismos
propostos de reestruturação de dívida, o financiamento da transição energética,
o papel da ZCLCA para a industrialização e as propostas de gestão de migração.
Apoiado em relatórios recentes do Banco Africano de Desenvolvimento, FMI, UNCTAD
e instituições académicas, o texto sustenta que o sucesso destas cimeiras
dependerá da transformação de compromissos em instrumentos vinculativos,
incluindo participação obrigatória de credores privados, instrumentos de
liquidez emergencial, swaps dívida-clima e metas de transferência tecnológica.
Caso contrário, os encontros podem permanecer retóricos, com impacto limitado
nas condições socioeconómicas africanas.
Palavras-chave
(PT): G20; União
Africana; União Europeia; dívida soberana; financiamento do desenvolvimento;
transição energética; industrialização; migração.
1.
Introdução: África no epicentro da diplomacia global
A
realização do G20 na África do Sul e da Cimeira UA–UE em Angola em 2025
representa um momento singular na história da diplomacia económica africana.
Pela primeira vez, a União Africana é membro pleno do G20, permitindo ao
continente exercer influência direta em decisões sobre dívida, comércio e
financiamento climático (Adedeji, 2024). Simultaneamente, Angola emerge como
anfitriã de uma cimeira birregional estratégica, reforçando seu papel na
mediação regional e na atração de investimentos para o continente.
O
contexto global é complexo. A década anterior revelou fragilidades
significativas nos mecanismos internacionais de governação económica, com
crises de dívida, volatilidade financeira, desigualdade crescente e pressões
geopolíticas. Segundo a UNCTAD (2023), mais de 22 países africanos encontram-se
em situação de sobre-endividamento ou risco elevado, sendo o serviço da dívida
uma barreira ao investimento social e à industrialização. O G20 e a cimeira
UA–UE surgem como oportunidades para redefinir prioridades, alinhar interesses
e reforçar a posição africana na arquitetura financeira global.
2. O G20 na África do Sul: legitimidade, dívida e financiamento
2.1.
Contexto e simbolismo
A
África do Sul, ao presidir o G20 em 2025, coloca no centro da agenda a reforma
da arquitetura financeira internacional, com ênfase na redução do custo
do capital e na modernização dos mecanismos de reestruturação da dívida (G20,
2024). A escolha do país reflete também um gesto simbólico de reconhecimento da
África como ator estratégico, obrigando os países desenvolvidos a negociar num
quadro mais equilibrado.
2.2.
A crise da dívida africana
O
panorama africano é preocupante: entre 2010 e 2023, a dívida externa aumentou
mais de 400%, sendo que o serviço da dívida absorve até 40% das receitas
fiscais em países como Zâmbia, Gana e Etiópia (UNCTAD, 2023). O Common
Framework do G20, criado para facilitar a reestruturação, mostrou-se lento e
insuficiente, especialmente perante credores privados e novos credores
emergentes (Gill, 2023). A África do Sul busca mecanismos que permitam não
apenas aliviar o serviço da dívida, mas também reduzir o custo do capital
de forma estrutural.
2.3.
Redução do custo do capital
O
chamado “prémio de risco africano” aumenta significativamente os juros pagos
pelos países em desenvolvimento. Soluções propostas incluem:
- Garantias
e instrumentos de first-loss providenciados por bancos multilaterais e
pela União Europeia;
- Emissão
conjunta de títulos soberanos regionais, criando benchmarks africanos;
- Reformas
nos ratings de crédito, incorporando riscos climáticos, crescimento
potencial e estabilidade fiscal de médio prazo (Adedeji, 2024).
Sem
estas medidas, qualquer financiamento adicional enfrenta risco elevado,
limitando a capacidade de investimento em infraestruturas e programas sociais.
3. Cimeira UA–UE em Angola: cooperação birregional e desafios
3.1.
Porquê Angola
Angola
combina estabilidade política, peso económico regional e posição geoestratégica
no Atlântico, tornando-se sede ideal para a cimeira UA–UE (Chipa, 2024). A
reunião visa discutir dívida, financiamento, comércio, industrialização e
migração, consolidando Angola como mediador e hub diplomático na África
Austral.
3.2.
Agenda estratégica
A
cimeira concentra-se em quatro pilares:
- Dívida
e financiamento do desenvolvimento;
- Energia
e transição energética;
- Comércio
e industrialização;
- Migração
e mobilidade regulada.
Apesar
do alinhamento temático, persistem divergências entre UE e África quanto a
instrumentos financeiros, transferências tecnológicas e gestão de fluxos
migratórios.
4.1.
Diagnóstico
A
dívida é hoje a principal barreira ao desenvolvimento africano. A combinação de
juros elevados, empréstimos comerciais e crises externas tornou muitos países
vulneráveis. O serviço da dívida absorve recursos que poderiam ser investidos
em saúde, educação e energia (African Development Bank, 2024; IMF, 2024).
4.2.
Demandas africanas
Os
países africanos exigem:
- Procedimentos
de reestruturação mais rápidos e transparentes;
- Participação
obrigatória de credores privados;
- Suspensão
temporária de pagamentos em caso de choques sistémicos;
- Redistribuição
de DSE e instrumentos de liquidez de emergência do FMI (Ocampo, 2024).
5. Energia: transição justa e financiamento climático
5.1.
Paradoxo energético africano
Apesar
de possuir 60% do potencial solar mundial, África ainda tem 600 milhões de
pessoas sem eletricidade (IEA, 2024). Países como África do Sul e Angola
dependem de combustíveis fósseis para emprego e receita, tornando a transição
complexa.
5.2.
Debt-for-climate swaps
Os
swaps dívida-clima permitem converter parte da dívida em investimentos
climáticos, criando alívio fiscal e promovendo energia limpa (Steyn &
Musango, 2023). Para funcionarem, precisam de monitorização robusta,
financiamento complementar e coordenação multilateral.
6. Comércio e industrialização
6.1.
ZCLCA e cadeias de valor
A
ZCLCA oferece um mercado integrado, mas a industrialização depende de políticas
ativas e financiamento de parques industriais verdes (Obi, 2024). Sem isso,
África permanece exportadora de matérias-primas.
6.2.
Relações UE–África
A
UE promove APEs, mas há risco de limitar políticas industriais africanas. É
necessário equilibrar abertura comercial com desenvolvimento local, garantindo
acesso a tecnologia e capital.
7. Migração e mobilidade
O
envelhecimento europeu e o crescimento populacional africano tornam a migração
inevitável. África defende:
- Vias
legais de migração laboral;
- Reconhecimento
de qualificações;
- Mobilidade
académica;
- Gestão
conjunta de fluxos irregulares (UN, 2023).
A
negociação eficaz deste tema é essencial para ganhos mútuos.
8. Governança e implementação
O
sucesso depende de transformar promessas em mecanismos verificáveis:
- Cronogramas
vinculativos de reestruturação;
- Governança
independente com monitorização africana;
- Instrumentos
financeiros condicionados a resultados;
- Capacitação
técnica para implementação.
Sem
isso, existe risco de captura de interesses externos ou incumprimento interno.
9. Cenários futuros
- Cenário
Ambicioso:
mecanismos vinculativos, swaps dívida-clima, redução do risco e aumento do
investimento.
- Cenário
Moderado:
benefícios pontuais, vulnerabilidades persistem.
- Cenário
Frustrado: apenas
declarações, manutenção do status quo e aprofundamento da desigualdade.
10. Conclusão
O
G20 na África do Sul e a Cimeira UA–UE em Angola podem iniciar uma mudança
estrutural na arquitetura financeira global. Se compromissos se converterem em
instrumentos vinculativos, será possível reduzir o custo do capital, financiar
transição energética e industrialização, e criar mobilidade laboral regulada.
Caso contrário, o risco é a perpetuação de dependências e desigualdades. A
África tem a oportunidade histórica de transformar o papel de mera recetora em
protagonista do desenvolvimento global.
Alguma Referência
Adedeji, A. (2024). Africa and global economic
governance: From marginality to influence. African Affairs, 123(492),
215–233.
African Development Bank. (2024). African Economic Outlook 2024.
Abidjan: AfDB.
Akyüz, Y. (2024). Global volatility and the developing world: Structural
vulnerabilities revisited. UNCTAD Research Paper, 98.
Chipa, L. (2024). Europe–Africa relations in the post-pandemic world.
Journal of Modern African Studies, 62(1), 55–74.
European Commission. (2024). Global Gateway Annual Report. Brussels:
European Commission.
Gill, I. (2023). The G20 Common Framework: What went wrong and how to fix it.
Brookings Institution Policy Brief.
IEA. (2024). Africa Energy Outlook 2024. Paris: International Energy
Agency.
IMF. (2024). Regional Economic Outlook: Sub-Saharan Africa. Washington,
DC: International Monetary Fund.
Obi, C. (2024). Trade asymmetries and Africa’s industrialization challenge.
Third World Quarterly, 45(3), 487–506.
Ocampo, J. A. (2024). Reforming the international financial architecture: A
developing-country perspective. Journal of Global Policy, 15(1), 11–28.
Steyn, G., & Musango, J. (2023). Energy transitions and socio-economic
risks in South Africa. Energy Policy, 175, 113335.
UN. (2023). World Population Prospects 2023. United Nations.
UNCTAD. (2023). A world of debt: A growing burden to global prosperity. Geneva: UNCTAD.
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