O processo Luanda
Leaks expôs a nu todo um sistema que, há muito, muitos de nós vínhamos
a demandar ou a delatar como estando a minar a economia, a política e todo um
aparelho nacional.
Fomos sempre olhados como
anti-nacionais, como anti-MPLA, como retrógrados, como imperialistas, como
reacionários e outros epítetos menos fortes ou não tão apelativos.
Não vou entrar no “programa”
nós é que tínhamos razão e ninguém nos levou a sério ou e agora quem são os
verdadeiros culpados.
Quere-me parecer que todos
temos culpas. Uns porque não teremos sabido ser imperativos nas nossas questões
e denúncias, outros porque se acomodaram, outros ainda porque se o partido
dizia estar bem, então tudo estava bem, outros que no Chefe nada se
questionava, porque era o líder e o único capaz de gerir o País – principalmente
porque vinha de um longuíssimo conflito fraterno – e, outros, por esta ou por
aquela razão, achavam que nada estava tão deficiente que fosse necessários questionar
e, finalmente, outros – estes parceiros internacionais – porque seguiam, seguem
e seguirão eternamente que «money has no color» e, ou, «money is God».
Não sejamos hipócritas e a
realidade é clara: seja quem dominar o dinheiro nacional terá sempre muitos “amigos”
prontos a defendê-lo até algo correr mal.
E tudo correu e está a correr
mal para a empresária Isabel dos Santos e para as suas actividades
empresariais. E correu mal não só devido às denúncias
de um consórcio internacional de jornalistas de investigação (Consórcio Internacional de Jornalistas de
Investigação – ICIJ, via Plataforma
para África de protecção a denunciantes contra a corrupção e má gestão – Platform
to Protect Whistleblowers in Africa) e de um eventual – repito,
eventual, como adiante explicarei – hacker português, mas dela própria
quando alardeava que toda a sua fortuna teria começado com a venda de uns
quantos ovos entre amigos. Ou eram vendidos em sistema de leilão e quem mais
desse, mais direito tinha a ficar com os ditos ovos, ou a hipocrisia reinante
era tanta que para “satisfazer” o ego da pequena dos Santos se oferecia pelos
ovos preços diamantíferos.
Como ninguém acredita em
milagres destes – começar com um aviário e fazer uma fortuna, ´outra coisa completamente
diferente – muitos comia, rumorejavam, mas nada diziam.
E isto acontece sempre até um
dia.
E esse dia aconteceu.
O tal consórcio internacional de
jornalistas denunciou a presença de mais de 715 mil documentos que teriam sido
vazados de mais estranhos lugares, onde a família Isabel dos Santos/Sindika Dokolo
estaria presente e em situação menos lícita nos seus negócios ou, melhor dizendo
– e no caso concreto da empresária Isabel dos Santos –, na origem ou na génese do
que levou aos referidos negócios.
Tudo começava a fazer sentido
na órbita do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro que o Governo do
Presidente João Lourenço está a levar a efeito. Uma peça, um processo que
parece ter caído do céu…
Milhões de Kwanzas, Dólares, Euros,
passaram a ser demais. Empreendimentos físicos e financeiros começaram a ser colocados
em causa. Fala-se que até a nacionalidade foi tornada peça importante para ser
descartada. O certo é que este processo parece ter caído do céu, para muita
gente; em particular para o Governo do Presidente João Lourenço.
Só que há muita penumbra neste
processo. Desde logo a forma
e os métodos usados para aceder aos mais de 715 mil documentos.
No Jornal Folha 8, por
exemplo, há um artigo do seu Director, William Tonet, de há cerca de um ano e
agora recordaram, onde era denunciado que numa «mala diplomática de
um ministro português» seguiriam documentos com a indicação expressa e com a
recomendação de que fossem entregues ao Expresso/SIC.
Ora, as notícias que correm são
que o “fornecedor” do consórcio internacional de jornalistas teria ido o hacker
português Rui Pinto, facto, sublinhe-se, que, de forma indirecta, já teria sido
igualmente
denunciado por Sindika Dokolo; se esta foi uma forma do hacker
tentar minorar a sua situação jurídica em Portugal e, por esta via, obter mais
apoios internacionais no sentido de passar de “invasor” a “denunciante”,
principalmente junto de autoridades europeias e, agora, angolanas, gostaria de
recordar que, recentemente, os gestores da Sonangol denunciaram que antes da
emissão do Luanda Leaks documentos
teriam sido destruídos em ataque informático o que podem colocar em causa a
“denúncia libertadora” de Rui Pinto…
Este é um processo que todos
estão em causa, mesmo que a base, ou por isso mesmo, seja a corrupção. Como
recorda o jornalista e economista Carlos Rosado, citado pelo Novo Jornal, a
luta contra a corrupção não pode ficar pelo começo e fim na família dos Santos,
porque «a
corrupção em Angola é uma coisa generalizada e envolve a cúpula do Estado e a cúpula
do MPLA» e que, acrescento, envolve, também, muitas pessoas ligadas à
Oposição. Qualquer angolano perguntará como muitos chegaram sem nada junto da política
nacional e agora – alguns – ostentam grandes fortunas?
É certo que, este processo,
colocou no olho do furacão, quase que exclusivamente, a empresária Isabel dos
Santos e todos os seus negócios.
É certo que, até agora, a
empresária Isabel dos Santos é a principal arguida no processo que corre em Luanda
e que assenta, essencialmente não no Luanda Leaks, mas numa queixa da
administração da Sonangol contra aquela por «por
má gestão e desvio de fundos durante a sua passagem pela companhia petrolífera
estatal angolana»
facto que parece estar enquadrado no Luanda Leaks. Como também é certo
que todos os que, directa ou indirectamente ligados à empresária e que de uma
forma directa ou indirecta acabaram ser constituídos arguidos em Angola ou
viram as suas vidas viradas ao contrário se defendem das acusações como sendo incorrectas.
A empresária Isabel dos Santos,
considera mesmo falsas as
acusações de que é alvo e pensa
levar o referido consórcio a Tribunal. Segundo o portal do semanário Novo
Jornal, Isabel dos Santos diz que vai lutar nos tribunais internacionais para “repor
a verdade” dado que «insiste
estar a ser vítima de uma campanha “puramente política”, prometendo lutar para “repôs
a verdade” e defender os seu “bom nome”».
Só que as pessoas não são
estúpidas e ao contrário do que muitos pensam, as pessoas e os angolanos, em
particular, pensam e de que maneira: se nada tem a recear e tudo é falso porque
a empresária se está a querer desfazer de todas as suas participações em
Portugal? Porque eventualmente estará – sublinho, eventualmente estará – a adoptar
como nacionalidade base a nacionalidade russa e mudar a sua residência oficial
para Dubai, nos EAU? Naturalmente poderá ser tudo especulações…
E esta “saída” leva a outra
questão que já alguns colocam: deverão os reguladores portugueses – Banco de
Portugal e CMVM –, bem como a Justiça portuguesa cativar os fundos obtidos com
a alienação das suas participações, pelo menos, aquelas em que intervierem instituições
portuguesas ou localizadas em Portugal?
E qual a posição do antigo
Presidente José Eduardo dos Santos no meio deste processo? Teve ou não participação
directa num eventual apoio à eventual formação menos correcta de capitais e a
fortuna da empresária Isabel dos Santos, primogénita daquele, para a constituição
da sua enorme rede de empresas?
Pouco antes da ”explosão” Luanda
Leaks, o antigo Presidente ia conceder uma entrevista à agência noticiosa
portuguesa Agência Lusa e cancelou-a.
Quando questionado sobre a possibilidade
de Eduardo dos Santos ser chamado à PGR, esta afirmou que o antigo presidente
estaria imunizado
durante 5 anos contra eventuais processos judiciais. Mas, convenientemente ou
talvez não, todos parecem esquecer que a Lei, de 2017, que concedeu a imunidade
aos antigos Presidente e Vice-Presidentes tem cláusulas e excepção que levaria
o levantamento dessa imunidade, como recorda Paulo Zua, no portal Maka Angola «Os
actos praticados pelo antigo presidente da República no exercício das suas
funções não estão ao abrigo da imunidade de cinco anos». E há aqui neste processo,
muitos actos que podem ser imputados por eventual deficiente má-gestão.
O problema é que muitos –
sejam do MPLA ou da Oposição – têm “telhados de vidro” e temem
que Eduardo dos Santos se canse e comece a debitar “mais documentos” que os
que levaram à explosão do Luanda Leaks. Ou como me avisava, muitas vezes
um velho amigo meu, “nunca cuspa para o ar”. Não é só porque é falta de
educação, mas porque não sabes nunca para que lado vira o vento e se podes
receber, e volta, o “indejecto”…
Que o bom senso prevaleça. A
melhor solução é, ou deverá, ser tratada fora dos Tribunais e o caso seja
político – como denunciam a empresária e o seu marido (de notar que logo nos
primeiros dias o Presidente congolês-democrata Felix Tshisekedi visitou o seu
homólogo angolano, na província e Benguela onde o Presidente João Loureço
estava a passar uns dias de férias, e preocupado, também, com a situação do seu
concidadão e membro ilustre da sociedade congolesa-democrata, Sindika Dokolo, seu
apoiante na luta contra Kabila Kabange, e acabou a aceitar que são os
Tribunais a decidirem do processo) –, ou judicial ,deve colocar todas as
partes, em Angola ou no exterior a conversar.
Só assim, todas as caras
ficarão lavadas e o erário público angolano verá reentrar no País dinheiros que,
eventualmente, possam ter saído menos licitamente dos cofres do Tesouro.
Agora de uma coisa também
ninguém pode opugnar à empresária Isabel dos Santos: pode ter usado
indevidamente fundos nacionais por “ofertação” indevida, mas é verdade que a
empresária tem aplicado uma parte desses fundos no desenvolvimento da economia
nacional: recordo uma empresa de telecomunicações e da área a alimentação…
Bom senso é o que se deseja.
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