A migração é um fenómeno intrínseco à experiência humana, e no caso da África, essa dinâmica tem raízes históricas profundas, que refletem a complexidade das interacções sociais, económicas e políticas.
Ao longo dos últimos séculos, as migrações africanas
foram moldadas por uma variedade de factores que incluem colonização,
conflitos, busca por oportunidades económicas e, mais recentemente, mudanças
climáticas. Este artigo busca explorar essa rica tapeçaria cultural resultante
das migrações africanas e sua influência nas sociedades de origem e destino.
1. Histórico das Migrações Africanas
A migração em África não é um fenómeno novo. Desde
tempos antigos, povos nômades e comunidades agrícolas deslocaram-se em busca de
recursos, comércio e novas terras. No entanto, a colonização europeia no século
XIX trouxe um novo capítulo às migrações. A imposição de fronteiras
arbitrárias, a exploração de recursos e a criação de economias de plantação
levaram ao deslocamento forçado de milhões de africanos, tanto dentro de seus
países quanto para fora do continente.
Além da migração forçada, a diáspora africana, que
inclui o tráfico transatlântico de escravos, resultou na dispersão de africanos
em diversas partes do mundo. Esse movimento teve consequências profundas, não
apenas para os indivíduos deslocados, mas também para as culturas locais. Os
descendentes de africanos escravizados nas Américas, por exemplo, mantêm vivas
tradições culturais que continuam a influenciar a música, a dança, a religião e
a literatura das sociedades em que habitam.
Recordemos algumas das principais migrações ocorridas
entre o século XIV até à actualidade
Entre os séculos XIV e XVI predominaram dois tipos de
migrações: as “migrações internas”, onde durante esse período, as
populações africanas se moveram internamente por vários motivos, como busca por
terras férteis, escassez de recursos e conflitos entre grupos étnicos. Grupos
como os Bantu migraram pela África subsaariana, expandindo seus territórios e
interagindo com outras comunidades; e o designado “comércio transaariano”
de que se destaca a denominada “A Rota do Ouro”, em que mercadores,
missionários e viajantes cruzaram o deserto do Saara, promovendo intercâmbios
culturais e económicos, de que se destaca as migrações levadas a efeito por imperador
maliano Mansa Musa (1280-1337), que aproveitando a sua vasta riqueza, efectuava
largas peregrinações a Meca, comerciava ouro e sal, traficava escravos, o fez
dele uma das figuras mais icónicas da história africana, bem como outras rotas
comerciais que facilitaram a movimentação de pessoas entre o norte e o sul da
África.
Entre os séculos XVII e XIX, predominava o “tráfico
de escravos” em que milhões de africanos foram forçados a migrar para as
Américas como parte do comércio transatlântico de escravos e teve impactos
profundos nas sociedades africanas, nas Américas e na Europa; e ocorreram
vastas “migrações inter-africanas” devido à colonização por europeus e o
estabelecimento de colónias, que levou a que muitas comunidades fossem
deslocadas de suas terras, forçando migrações em busca de novas áreas para
viver e trabalhar.
Já no século XX, com a “descolonização e os
movimentos de luta pela independência” em várias partes da África,
especialmente nas décadas de 1950 e 1960, ocorreram migrações significativas,
tanto internas quanto para outros países, porque muitos actos ocorridos,
fizeram que muitas pessoas tivessem de fugir da violência e da instabilidade; a
acrescer a isto o «facto de muitas das independências não terem diminuído a
violência e a instabilidade, bem pelo contrário, pelo que o emergir de inúmeros
“conflitos e guerras civis” como os ocorridos em Angola, RDC, Ruanda e
Somália resultaram em grandes deslocamentos populacionais, com milhões de
refugiados buscando segurança em outros países africanos ou em regiões fora do
continente e que se prolongam no presente século as denominadas “migrações
forçadas” devido a um aumento de conflitos armados, crises políticas e
desastres naturais que têm gerado fluxos contínuos de migrantes e refugiados na
África; a acrescer registamos as naturais “migrações económicas” e as “mudanças
climáticas” que leva muitos africanos a procurarem melhores oportunidades
de emprego em países como África do Sul, Europa e América do Norte a que também
não se exclui o facto de algumas significativas mudanças climáticas estão
tornando algumas regiões da África incapacitadas para a agricultura, forçando
as comunidades a migrar para áreas mais seguras e sustentáveis.
2. Factores Contemporâneos de Migração
Nos últimos decénios, a migração africana tem sido
impulsionada por diversos factores, como a instabilidade política, os referidos
conflitos armados, as constantes crises económicas e as já indicadas mudanças
climáticas. Muitos africanos buscam uma vida melhor noutras partes do
continente ou em regiões mais desenvolvidas. A migração rural-urbana também é
um fenómeno significativo, com pessoas se deslocando para cidades em busca de
trabalho e melhores condições de vida, o que tem levado ao crescimento de megacidades
africanas, como Luanda (Angola), Lagos (Nigéria) ou Nairobi (Quénia).
A busca por oportunidades económicas tem levado muitos
africanos a países da Europa, América do Norte e outras regiões, onde as
comunidades de imigrantes rapidamente se formam. Essas comunidades não apenas
preservam suas tradições culturais, mas também podem influenciar – e em alguns
casos, influenciam mesmo – as sociedades que os acolhem. As interacções
culturais resultantes, na maioria das vezes, enriquecem a vida artística,
culinária e social das sociedades de destino.
3. Dinâmicas Culturais e Identidade
O deslocamento forçado e voluntário de africanos ao
longo dos séculos resultou em uma diversidade cultural que é singularmente
africana. As migrações geram um fenómeno conhecido como "hibridismo
cultural", onde elementos de diferentes culturas se fundem, resultando
em novas expressões artísticas, modos de vida e sistemas de crenças.
Um exemplo significativo são as manifestações
musicais, como o reggae na Jamaica, que incorpora ritmos africanos e
elementos de resistência cultural. Da mesma forma, a literatura africana
contemporânea, escrita por autores tanto no continente como na diáspora, reflecte
as experiências vividas por aqueles que migraram, abordando temas de
identidade, pertença e resistência.
4. Desafios e Oportunidades
Embora a migração traga uma riqueza cultural para as
sociedades, também apresenta desafios. Os migrantes frequentemente enfrentam
discriminação, xenofobia e dificuldades de integração. As políticas de
imigração nos países de acolhimento muitas vezes são rigorosas e podem
marginalizar comunidades, dificultando o fortalecimento de suas identidades
culturais.
Por outro lado, as migrações podem promover o
desenvolvimento económico e social, tanto para os países de origem quanto para
os de destino. Remessas enviadas por migrantes para suas famílias são uma fonte
vital de “financiamento” para muitas economias africanas. Além disso, a troca
cultural pode levar a um maior intercâmbio de ideias e práticas, promovendo a
inovação e a criatividade.
5. A crise da migração clandestina,
irregular ou ilegal
Se as migrações africanas são um fenómeno contínuo que
reflecte as dinâmicas sociais, políticas e ambientais do continente, as
questões de identidade, pertença e direitos dos migrantes são tópicos críticos
nas discussões contemporâneas sobre migração africana, tanto dentro do
continente quanto em escala global.
Um desses problemas, cada vez mais actual e
persistente ocorrem com migrações irregulares (ou ilegais ou clandestina) que podem
resultar – e têm resultado – em diversas crises internacionais que afectam não
apenas os países de origem e destino, mas também a comunidade global como um
todo. Vejamos algumas das crises mais notáveis e que mais têm contribuído para
a persistência e – há que o afirmar – “compra” de migração clandestina, que se
mostra muito rentável para os chamados “dealers”: a migração forçada da
“crise dos refugiados” devido a conflitos armados, perseguições
políticas, ou desastres naturais; os “conflitos sócio-políticos” nos
países anfitriões; o “tráfico de pessoas” sobre indivíduos vulneráveis que
são explorados por redes criminosas (a “nova escravatura”).
Estas crises exigem respostas coordenadas entre
países, ONG e instituições internacionais para garantir a proteção dos direitos
humanos e a promoção de soluções sustentáveis para a migração. Só que…
6. A migração Angolana
No caso da migração em Angola, tanto interna quanto
externa, pode-se dizer que é um fenómeno complexo que envolve diversas
dinâmicas sociais, económicas e políticas, em grande parte, devido às “transferências
rurais-urbanas”, migrando do interior para as cidades quer em busca de
melhores oportunidades de emprego e acesso a serviços básicos como saúde e
educação, quer devido à muita falta de condições de sobrevivência nalgumas
partes do país, seja pela falta de água (secas contínua), seja pela fome (em
parte para razão anterior que impede que a agricultura floresça ou que o gado
sobreviva) e não poucas múltiplas “desigualdade regionais” que leva eu
muitos dos nossos compatriotas procurem oportunidades no exterior,
especialmente em países da África do Sul, Portugal e Brasil, onde entre outras motivações
se incluem, também, busca de uma mais avançada educação técnico-profissional,
emprego e melhores condições de vida.
Mas se os Angolanos se posicionam como potenciais
migrantes, também Angola acaba por ser porto de destino de migrantes
estrangeiros e muitos por algumas das mesmas razões que nos leva a sair do
País, como a busca de melhores condições económicas e profissionais,
destacando-se entre stes, portugueses, moçambicanos, chineses, malianos,
mauritanos, moçambicanos e congoleses-democratas.
7. Em forma de conclusão…
A cultura das migrações africanas ao longo dos últimos
séculos é um testemunho da resiliência e adaptabilidade dos povos africanos. As
interacções resultantes das migrações moldaram identidades culturais ricas e
diversas, que transcendem fronteiras e continentes.
Ao reconhecer e celebrar essa complexidade, podemos
compreender melhor os desafios e as oportunidades que surgem num mundo em
constante movimento e transformação. A cultura das migrações africanas não é
apenas uma narrativa do passado, mas uma força viva que continua a influenciar
o presente e o futuro das sociedades globais.
E isto pode se constatar com a migração irregular que,
tendencialmente, pode criar grandes fluxos de refugiados intra-continental e,
principalmente, para a “fortaleza europeia”, levando a experimentar fortes
tensões diplomáticas devido a diferente visões das políticas de migração, como tem
sido nalgumas nações da União Europeia que ao lidarem com a migração irregular
de refugiados “constroem” muros e barreiras, em resposta a fluxos migratórios,
como o aumento do nacionalismo, xenofobia e políticas anti-imigração; e isto,
repito, está a ser foi observado em vários países europeus, mas, também, nos
EUA, e agora com mais acuidade, devido à aproximação das eleições presidenciais
e intercalares para o Congresso e Senado.
Finalmente, no caso nacional, e como se viu, a migração
em Angola é um reflexo das complexidades sociais e económicas do país e com
propensão para continuar a evoluir com o tempo. A análise das tendências de
migração oferece-nos alguns importantes avisos sobre os desafios e
oportunidades que a sociedade angolana enfrenta. Caberá – SEMPRE – aos
governantes saberem como proceder. Assim o queiram e estejam preparados…
Foi, igualmente, também publicado no Jornal Folha 8
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