11 novembro 2025

Angola, 50 anos de independência: entre o sonho e o desencanto

 


1. Introdução: o marco dos 50 anos

11 de Novembro de  2025, Angola assinala meio século de independência. Cinquenta anos depois, a data impõe não apenas celebração, mas também reflexão.

A independência foi o ponto culminante de uma luta heróica e longa, que pôs fim a quase cinco séculos de dominação colonial portuguesa. Contudo, o sonho da libertação rapidamente se viu ensombrado por divisões internas, guerra-civil e desigualdades persistentes.

A história destes cinquenta anos é, por isso, uma narrativa de conquistas e fracassos, de esperança e desencanto; e de um país que continua em busca de si mesmo; ou, melhor, continuamos a ser “um Povo à cata do nós mesmos”.

2. Do sonho da independência ao trauma da guerra

A independência de Angola, proclamada no, para alguns, já longínquo dia 11 de Novembro de 1975, pelo MPLA em Luanda e pela FNLA, no Uíge, e UNITA, no Huambo, foi antecedida por um processo turbulento. A queda do regime colonial português, em 1974, abriu caminho a uma disputa pelo poder entre os três principais movimentos de libertação: MPLA, FNLA e UNITA. O país, em vez de conhecer a unidade sonhada, mergulhou quase de imediato num conflito armado devastador que se prolongou até 2002.

Durante décadas, a guerra-civil dividiu famílias, destruiu infra-estruturas e consumiu recursos humanos e materiais incalculáveis. Foi também um campo de batalha geopolítico, em plena Guerra-Fria: com o MPLA apoiado pela União Soviética e Cuba, e a UNITA apoiada pelos Estados Unidos e pela África do Sul. O conflito angolano foi, assim, um espelho do mundo bipolar; mas com consequências profundamente locais e regionais.

A paz alcançada em 2002, após a morte de Jonas Savimbi, foi um marco histórico. Pela primeira vez desde a independência, Angola pôde experimentar uma estabilidade política real. Mas o preço da guerra foi altíssimo: mais de meio milhão de mortos, milhões de deslocados e um tecido social fragmentado.

3. O tempo do petróleo e da reconstrução

O período pós-guerra coincidiu com o auge do petróleo angolano. O país tornou-se o segundo maior produtor de África, atrás apenas da Nigéria. A riqueza do petróleo permitiu financiar a reconstrução de infra-estruturas, a modernização urbana e o surgimento de uma nova classe média. Luanda transformou-se num símbolo dessa prosperidade repentina; e, também, das suas contradições.

Durante a primeira década do século XXI, Angola cresceu a taxas superiores a 10% ao ano. O discurso oficial celebrava a “paz e reconstrução nacional”. Contudo, o crescimento foi acompanhado por uma concentração extrema da riqueza. Uma elite político-económica ligada ao poder beneficiou de contratos milionários, enquanto vastas camadas da população continuavam sem acesso a serviços básicos de saúde, educação e saneamento.

A dependência quase total do petróleo tornou o país vulnerável. A queda dos preços do crude, em 2014, expôs fragilidades estruturais: uma economia pouco diversificada, corrupção endémica e instituições frágeis. Ainda assim, a retórica do renascimento nacional manteve-se, apoiada em grandes obras públicas e numa diplomacia activa em África e no mundo.

4. A paz, o descontentamento e o futuro

A paz trouxe estabilidade política, mas não necessariamente coesão social. Angola vive hoje um tempo ambíguo. Por um lado, há uma geração inteira que cresceu sem guerra, mais escolarizada e mais conectada com o mundo. Por outro, persistem desigualdades profundas, desemprego juvenil e um sentimento generalizado de frustração.

A transição de José Eduardo dos Santos para João Lourenço, em 2017, abriu uma nova fase. O novo presidente prometeu combater a corrupção e reformar o Estado. Algumas medidas simbólicas – como processos judiciais contra figuras da elite anterior – foram vistas como sinais de mudança. Mas a realidade mostrou-se mais complexa. A economia continua estagnada, o custo de vida é elevado e o espaço de liberdade política, embora menos restrito, mantém certas limitações importantes.

A paz, neste contexto, tem sido mais um silêncio das armas do que uma verdadeira reconciliação nacional. A justiça transicional – tema muito sensível – permanece inacabada. As memórias da guerra ainda dividem. A construção de uma cidadania democrática exige não apenas reformas políticas, mas também um novo contrato social entre Estado e sociedade.

5. As (des)esperanças da juventude pós-colonial

A geração angolana nascida após a independência, e sobretudo depois do fim da guerra-civil, em 2002, é a primeira a viver numa Angola em paz. Não conheceu o colonialismo, nem a luta de libertação, nem. Principalmente, os longos anos de conflito armado. Mas sente ainda o peso das promessas por cumprir. Cresceu num país formalmente livre, mas socialmente desigual, e num contexto em que as grandes narrativas revolucionárias se foram esvaziando de sentido para dar lugar ao pragmatismo da sobrevivência quotidiana.

Esta juventude é urbana, escolarizada e [fortementre] digital. Vive conectada com o mundo através das redes sociais, consome cultura global e expressa-se por meio da música, do humor, do activismo e da arte. É nela que se fazem ouvir as novas linguagens da cidadania: as rimas do rap de Luanda, os colectivos de arte urbana, as páginas digitais que questionam a corrupção e a desigualdade. Mas é também uma geração marcada por altos níveis de desemprego, precariedade e desconfiança em relação ao Estado. Para muitos jovens, o sonho é partir; estudar ou trabalhar fora, regressar apenas se houver esperança de mudança [e quando regressam…].

A independência, para esta geração, é uma herança mais do que uma experiência. Já não mobiliza paixões políticas; é um ponto de partida, não de chegada. A distância entre o discurso oficial, centrado na epopeia da libertação, e as preocupações reais da juventude – como habitação, emprego, liberdade – revela uma fratura simbólica entre gerações. Ainda assim, os jovens pós-coloniais não são apáticos: reinventam formas de participação e resistência que não passam necessariamente pelos partidos.

O futuro de Angola dependerá, em grande medida, da capacidade de integrar esta juventude no projecto nacional; o Corredor do Lobito e outras infra-estruturas similares, serão um dos veículos para atrair esta juventude altamente escolarizada.

É um Juventude que exige ser escutada, valorizada e incluída nos processos de decisão. Isto será fundamental para que os próximos cinquenta anos de independência não se resumam à manutenção da paz, mas à conquista da justiça, da criatividade e da esperança colectiva.

6. Conclusão: entre a memória e a esperança

Cinquenta anos depois da independência, Angola é – SOMOS – um país de contrastes. As promessas da libertação – como a soberania, a dignidade, a justiça social – continuam, em grande parte e infelizmente, por cumprir. Mas também é inegável o progresso alcançado: somos um Estado consolidado – ainda que o problema de Cabinda, persista –, uma geração em paz – mas que não deixa de quando em vez, estar em guerra em Cabinda –, um lugar relevante e respeitado no continente africano.

O desafio dos próximos cinquenta anos será transformar a paz em desenvolvimento sustentável, e a independência em verdadeira cidadania. Isso implica diversificar a economia, fortalecer as instituições, proteger as liberdades e investir na educação e na juventude. O maior risco é o imobilismo; a maior esperança, é, indiscutivelmente, a vitalidade do povo angolano.

A independência de Angola foi, e é, uma conquista irreversível. O que nos falta, é cumprir-lhe o sentido. Entre o sonho e o desencanto, resta a tarefa (urgente e coletiva) de reinventar o futuro.

Assim o procuremos fazer e assim nos deixem, a TOFOS, fazê-lo. Até porque, como referi no início, continuamos a ser “um Povo à cata do nós mesmos

VIVA ANGOLA!

28 junho 2025

O acordo de paz – “Washington Accord” – entre RDC e Ruanda de 27 e Junho de 2025


foto ©The Washington Post, June 28,2025)

Washington DC, a bonita e palpitante capital dos EUA que conheci há uns (larguinhos) anos, assistiu, ontem, 27 de Junho do Ano da Graça de 2025, à sessão solene da assinatura da projecto de um Acordo de Paz, proposto por Donald Trump – consegue estar em todas –, e acompanhado pelo Qatar e apela União Africana (UA), entre a República Democrática do Congo (RDC), representada pela sua Ministra das Relações Exteriores (MIREX) Thérèse Kayikwamba Wagner, e o Ruanda, representada pelo seu MIREX, Olivier Nduhungireh, sob o testemunho atento e “enternecido” do secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio.

Em breve, está previsto a assinatura deste Acordo, o “Washington Peace Agreement of June 27” ou “Washington Accord”, com a presença dos presidentes da RDC, Felix Tshisekedi, e do Ruanda, Paul Kagame, e, segundo parece do presidente João Lourenço, presidente em exercício da UA, por sugestão explícita de Trump!

O “Washington Accord” estabelece um cessar imediato de hostilidades, o fim do apoio estatal – seja o que isto for –, a grupos armados como o M23 (supostamente – ainda que haja um relatório da ONU, de Outubro de 2024, a afirmá-lo – apoiado por Ruanda) e à FDLR (Democratic Forces for the Liberation of Rwanda, a operar a partir da RDC contra o Ruanda). Além disso, prevê a retirada das tropas ruandesas do território congolês, em até 90 dias, a criação de um mecanismo conjunto de coordenação de segurança, desarmamento e integração de grupos armados, e a projecção, em 90 dias, de um quadro de integração económica regional voltado aos países dos Grandes Lagos.

O “Washington Accord” apresenta-se como um marco geopolítico com múltiplos interesses, de que se destacam a :

  • Garantia de soberania e segurança da RDC que tenta conter a influência ruandesa e a soma dos protestos contra a presença militar estrangeira, que já provocaram hostilidades e manifestações em Kinshasa, não só contra ruandeses, mas, também, contra o Governo de Tshisekedi; e (e aqui está a mãozinha desinteressada de Trump aliada à sua estratégia eleitoral de “America First”…);
  • Os EUA asseguram acesso a minerais estratégicos (coltan [columbita e tantalita], cobalto – detém cerca de 4/5 da reserva mundial –, lítio), fundamentais para indústrias de tecnologia e veículos elétricos, como forma de contrapôr ao domínio chinês na RDC, onde explora 15 das 19 principais concessões mineiras de cobre e cobalto industrial, após concessão dada por Kabila Kabangu (ADF, 2023);
  • Já o Ruanda ganha legitimação internacional, evita sanções e garante que seus interesses no leste congolês acabam reconhecidos sob um novo formato formal de segurança, não claramente clarificado;
  • O acordo abre caminho para investimentos em infra-estruturas, cadeias de valor e mineração, impulsionando um quadro integrado de desenvolvimento regional, ou seja, pode se tornar num catalisador económico regional.

Só que, apesar dos dois principais movimentos oposicionistas terem estado nas conversações que ocorreram no Qatar – tal como já tinha acontecido em 19 de Março passado, quando o emir qatari Tamim a-Thani interferiu com a tentativa de Luanda em (re)fazer a Paz sob o patrocínio da UA (RB, 2025)  – , sob a natural supervisão dos EUA, tal como nos Acordos e Protocolos de Luanda e de Nairobi, na assinatura ambos não estiveram – nem se prevê que venham a estar na cimeira dos presidentes – na assinatura do “Washington Accord”.
Recordamos o que deu a sua não presença em Luanda e em Nairobi…

Não é em vão que a maioria dos analistas destacam que a ausência do M23, o principal grupo armado activo no leste da RDC, na assinatura deste Acordo, e criará um vazio estratégico grave (Tasamba, 2025). Até porque o texto não parece abordar medidas reais de desmantelamento do grupo nem responsabilidades, considerando que o M23 controla territórios desde Janeiro de 2025 (em particular, as cidades de Goma e Bukavu), como já o não previa o “Acordo de Doha” (Qatar), de Março de 2025 (RB, 2025). Tal como a FDLR não é tida, nem achada…

Todavia, por sua vez, também nas obrigações “estatais” há assinaláveis discrepâncias que poderão se tornar preocupantes em futuro brave. Assim, enquanto à RDC é exigida a neutralização da FDLR e reintegração de grupos armados anti-governamentais, ao Ruanda é apenas obrigado a se comprometer a “reduzir medidas defensivas” e retirar suas tropas, sem que esteja definido um cronograma claro ou sanções por incumprimento (Mwendanga, 2025).

Ora, face estas “diferentes atitudes”, apesar do interesse que o “Washington Accord” acarreta e se propõe, como compromissos formais (mais para uns, que para outros) e, principalmente, incentivos claros à Paz, há que ter em conta que…

·         se há pontos positivos, como: i) primeira sinalização forte de uma futura cooperação entre RDC e Ruanda, em décadas; ii) estímulo a investimentos e cadeias regionais de riqueza, com vista a toda a área regional dos Grandes Lagos; iii) pressão externa americana com acesso geoestratégico a minerais (American First);

·         também há, e sem quaisquer dúvidas, pontos fracos e riscos assinaláveis, como: i) ausência do M23 como parte do acordo reduz sua legitimidade; ii) mercantilização da paz coloca minerais acima de justiça e direitos humanos; iii) implementação ambígua e sem cronogramas firmes.

Na realidade – e este é um dos maiores deste Acordo – a paz real (que traduza em estabilidade, segurança e reconciliação) dependerá mais da execução concreta do Acordo do que das figuras políticas do momento. O “Washington Accord” pode se tornar num pilar de desenvolvimento ou num documento estéril, se seus termos não forem aplicados no terreno por gestores políticos locais, com coerência e justiça para as vítimas (estas, na prática, são olvidadas do Acordo)

Em conclusão, “Washington Accord”, de 27 de Junho, tem todas as condições – ou deveria, de facto, tê-las – para ser um notável documento que visa unir diplomacia de alto nível, urgência militar e interesses geo-económicos numa estrutura bastante emblemática. A promessa de paz em troca de estabilidade e acesso a minerais não deixa de ser um pensamento pragmático e estratégico da parte dos EUA, ou seja, de Trump.

No entanto, para evitar que senão acabe por se tratar mais de uma “paz comercial” em detrimento de uma paz verdadeira e concreta, será preciso que:

  1. o apoio ao M23 seja claramente desmantelado (se sem ter sido tido, nem achado, o M23 parar as suas hostilidades, será a prova inequívoca que era um grupo nas mãos de Kigali);
  2. todos os grupos armados sejam efectivamente desarmados e integrados num processo de reconciliação;
  3. os direitos das vítimas – parte que parece esquecida do Acordo – e a justiça sejam, de facto, protegidos;
  4. haja um real monitoramento internacional e que sanções sejam previstos para incumprimentos dos propostos no Acordo.

Sem estes elementos, o “Washington Accord” corre o risco de ser mais um remendo político, a juntar aos anteriores, sem condições de romper o ciclo de violência que já deslocou milhões e causou devastação humanitária no leste da RDC, bem como depauperação das suas riquezas naturais que são exploradas e negociadas por terceiros, umas sem real retorno ao país, e outras que ficam nas mãos de terceiros que nem as exploram (directamente)

Veremos o que dirá a Cimeira dos Presidentes que irão assinar, em definitivo, o “Washington Accord”. Quando? Esperemos que breve para não arrefecer este espírito de “boa-vontade”(?)…

Algumas referências:

ADF equipa (2023). Exploração Mineira Chinesa ‘Destruindo Vidas’ na RDCAfrican Defense Forum, Outubro 3, 2023; https://adf-magazine.com/pt-pt/2023/10/exploracao-mineira-chinesa-destruindo-vidas-na-rdc/

Asadu, Chinedu (2025). Trump helped these African countries sign a peace deal. Here’s what we knowThe Associated Press, Updated 11:21 PM WEST, June 27, 2025; https://apnews.com/article/congo-rwanda-peace-agreement-trump-us-minerals-f74d15074cbadf35bedf37316bc722a6  

Birnbaum, Michael et all (2025). Trump seeks crown as world peacemaker, brokering truce in central AfricaThe Washington Post, June 28,2025; https://www.washingtonpost.com/politics/2025/06/27/trump-peace-deal-rwanda-drc/

Mwendanga, Daniel (2025). Strategic Analysis — DRC&Rwanda_The Washington Peace Agreement of June 27Medium.com;  https://medium.com/%40mwendangad/strategic-analysis-drc-rwanda-the-washington-peace-agreement-of-june-27-2025-psb-drcongo-gmail-co-fc51eb07b1e0

Psaledakis, Daphne, Sonia Rolley &Ange Adihe Kasongo (2025). Rwanda, Congo sign peace deal in US to end fighting, attract investmentReuters, June 27, 202511:43 PM; https://www.reuters.com/world/africa/rwanda-democratic-republic-congo-set-sign-peace-agreement-washington-2025-06-27/

RB (2025). RDC/Ruanda: Presidentes Tshisekedi e Kagame comprometem-se com cessar-fogo imediato – Acordo não impõe saída dos rebeldes M23 das áreas conquistadas no leste congolêsNovo Jornal, 19 de Março 2025 às 09;43; https://novojornal.co.ao/internacional/detalhe/rdcruanda-presidentes-tshisekedi-e-kagame-comprometem-se-com-cessar-fogo-imediato-acordo-nao-impoe-saida-dos-rebeldes-do-m23-das-areas-conquistadas-no-leste-congoles-64560.html

Tasamba, James (2025). Analysts voice cautious hope as skepticism greets DR Congo-Rwanda dealAnadolu Agency, 28.06.2025; https://www.aa.com.tr/en/africa/analysts-voice-cautious-hope-as-skepticism-greets-dr-congo-rwanda-deal/3616309

11 novembro 2024

Angola: 49 Anos de Expectativas Furadas? O Que Esperar dos 50 Anos de Independência?

 


Angola, desde a sua independência, em 11 de Novembro de 1975, trilhou um caminho marcado por uma miríade de desafios e conquistas. Ao longo destes 49 anos, o país viu-se imerso em um contexto de grandes expectativas que, em muitas ocasiões, não foram concretizadas. A promessa de um futuro próspero e igualitário nem sempre – ou raramente – se materializou, levando a uma reflexão profunda sobre os caminhos trilhados e o que ainda poderá ser esperado nos 50 anos de independência.

Mas… sê-lo-á?

Durante décadas, os cidadãos angolanos enfrentaram a realidade de um crescimento económico que, embora significativo em alguns (poucos) momentos, não se traduziu necessariamente em melhorias na qualidade de vida da enorme maioria da população. A corrupção, a desigualdade sócio-económica e a falta de acesso a bons serviços básicos como educação e saúde foram apenas algumas das frustrações que têm pairado sobre o sonho de uma Angola desenvolvida. As expectativas em torno das vastas riquezas naturais do país – como petróleo e diamantes, principalmente, dado serem (ainda) as nossas principais exportações – muitas vezes, a grande maioria das vezes, não se reflectiram em benefícios tangíveis para a nossa população.

Entretanto, a nossa História, a História de Angola, não tem sido feita, apenas, de decepções. O país também tem demonstrado uma resiliência notável e capacidade de adaptação. Somos um Povo resiliente!

Nos últimos anos, esforços de uma importante diversificação económica, programas de reforma e iniciativas voltadas para o desenvolvimento sustentável começaram a delinear um novo panorama. A juventude angolana, cada vez mais engajada e activa, mas, também, muito crítica e expectante, é uma força motriz que tenta – na maioria dos casos, de forma infrutífera, – procurar transformar a realidade, exigindo mudanças e melhorias.

À medida que Angola se aproxima dos 50 anos de independência, a pergunta que paira no ar é: o que podemos esperar para o futuro?

Há um sentimento crescente de que este é um momento crucial para o país, uma oportunidade para reavaliar suas prioridades e traçar um novo caminho. Os próximos anos devem ser marcados por um foco em políticas de inclusão, transparência e investimento em áreas fundamentais para o progresso social, como a educação e a saúde.

Mas... consegui-lo-á?

Para isso, é essencial promover um diálogo aberto e inclusivo entre governo, o poder político e a sociedade civil, garantindo que as vozes de todos os angolanos sejam ouvidas. O fortalecimento das instituições democráticas e da governança pode ser a chave-mestra para restaurar a confiança da nossa população nas suas lideranças.

Os 50 anos de independência de Angola podem ser vistos como um marco não apenas para celebrar a História, mas também para vislumbrar um futuro onde as expectativas não sejam mais furadas, mas atendidas.

Os 50 anos que serão celebrados em 2025, é um momento para sonhar e, mais importante, para agir. Somente assim, Angola – e todos nós – e poderá finalmente alcançar o potencial que muitos acreditamos que possui, transformando o contexto actual em um terreno fértil para um futuro próspero e equitativo.

Assim saibam pensar os nossos dirigentes políticos e trabalharem na transparência das coisas públicas.

Somos um Povo resiliente! Mas, não esquecer, que toda a resiliência tem limites…

11 outubro 2024

Porque o vizinho JB adiou a visita ao vizinho JL…

Na madrigálica vila de Diplomopólis, onde as relações internacionais são quase tão solenes quanto uma missa de domingo, o ilustre e rico senhor John Bull, preparava-se para uma visita altamente estratégica ao seu vizinho atlântico senhor Jota Lê (e será que lê?). Ah!, e como todos aguardavam ansiosamente este marcante e cerimonioso encontro, previsto para ser uma festa de conexões bilaterais e acordos benéficos!

E como estava bonito o terreno – e a singela casa – do senhor Jota Lê. Um magnífico quadrado todo limpinho, bem varrido, paredes, muros e passeios pintadinhos e animais daninhos corridos para outros poleiros…

Só que, aiuê…, no meio deste excepcional e invejado evento de vizinhanças atlânticas, eis que surgiu uma sombra no horizonte – tudo o que é bom e invejado traz sempre maus-olhados…, aiuê… –: um inefável e turbulento Milton Chicano, também conhecido como sendo um vizinho indesejado de John Bull, decidiu fazer das suas e encharcar os límpidos quintais deste distinto e rico vizinho, sem que este pudesse sair da sua pecuniosa, garbosa e faustosa vivenda, aiuê. E não satisfeito com este empapanço o senhor Milton Chicano, pela calada, fez tudo em grande e feroz velocidade, aiuê…

Assim, o encontro ficou em suspenso e, quem diria…, desmarcado. A ideia de ter um diplomata de renome dando atenção aos pequenos e latentes problemas dos dois “novos” vizinhos era o que ambos mais desejavam. Mas… mas há sempre um Milton Chicano, um caenche, na vida de uma pessoa que tudo disperde, como se as casas dos vizinhos fossem o seu eleito palco, esticando os ramos da sua impureza calamitosa numa exibição digna do mais apurado dos artistas.

Diante de tal excentricidade, ficou claro que para a (míngua) diplomacia e as atitudes inoportunas e catastróficas de vizinhos inconvenientes, todos precisamos de um acordo procrastinado. Afinal, se o barulho da marinhagem do senhor Milton Chicano servia, como serviu, para arruinar o encontro, ora, o mais sábio seria adiá-lo até que o "Rei das Catástrofes", como o senhor Milton Chicano de denomina, decidisse que um dia de paz era benéfico para todos, incluindo, claro, os seus próprios vizinhos.

Assim, e por isso, a visita do senhor John Bull ao senhor Jota Lê foi, por esta vez, adiada, provando que em Diplomopólis a vida pode ser, no mínimo, tão divertida quanto complicada.

Mas os bons vizinhos atlânticos de Diplomopólis acreditam que ainda vão beber umas boas Cucas no quintal e comer umas boas quitetas na piscina olímpica kamutangre do senhor Jota Lê…

Jota Lê quer que o senhor John Bull seja um seu "ganda" Kamba e que lhe apresente `insigne senhora Lakama; é que o senhor Jota Lê já conhece o senhor Golden Pointyhair e não gosta dele! Natural… o senhor Golden Pointyhair, mais conhecido por DT, só gosta de "gandas" vivendas e não de casas "mínimas" ou, como ele há uns anos afirmava de… tipologia “shitoles countries”!

Oiê!...

Igualmente publicado no Jornal Folha 8, online: https://jornalf8.net/2024/porque-o-vizinho-jb-adiou-a-visita-ao-vizinho-jl/

31 agosto 2024

Cultura das Migrações Africanas ao Longo dos Últimos Séculos

(imagem criada a partir daqui)

A migração é um fenómeno intrínseco à experiência humana, e no caso da África, essa dinâmica tem raízes históricas profundas, que refletem a complexidade das interacções sociais, económicas e políticas.

Ao longo dos últimos séculos, as migrações africanas foram moldadas por uma variedade de factores que incluem colonização, conflitos, busca por oportunidades económicas e, mais recentemente, mudanças climáticas. Este artigo busca explorar essa rica tapeçaria cultural resultante das migrações africanas e sua influência nas sociedades de origem e destino.

1. Histórico das Migrações Africanas

A migração em África não é um fenómeno novo. Desde tempos antigos, povos nômades e comunidades agrícolas deslocaram-se em busca de recursos, comércio e novas terras. No entanto, a colonização europeia no século XIX trouxe um novo capítulo às migrações. A imposição de fronteiras arbitrárias, a exploração de recursos e a criação de economias de plantação levaram ao deslocamento forçado de milhões de africanos, tanto dentro de seus países quanto para fora do continente.

Além da migração forçada, a diáspora africana, que inclui o tráfico transatlântico de escravos, resultou na dispersão de africanos em diversas partes do mundo. Esse movimento teve consequências profundas, não apenas para os indivíduos deslocados, mas também para as culturas locais. Os descendentes de africanos escravizados nas Américas, por exemplo, mantêm vivas tradições culturais que continuam a influenciar a música, a dança, a religião e a literatura das sociedades em que habitam.

Recordemos algumas das principais migrações ocorridas entre o século XIV até à actualidade

Entre os séculos XIV e XVI predominaram dois tipos de migrações: as “migrações internas”, onde durante esse período, as populações africanas se moveram internamente por vários motivos, como busca por terras férteis, escassez de recursos e conflitos entre grupos étnicos. Grupos como os Bantu migraram pela África subsaariana, expandindo seus territórios e interagindo com outras comunidades; e o designado “comércio transaariano” de que se destaca a denominada “A Rota do Ouro”, em que mercadores, missionários e viajantes cruzaram o deserto do Saara, promovendo intercâmbios culturais e económicos, de que se destaca as migrações levadas a efeito por imperador maliano Mansa Musa (1280-1337), que aproveitando a sua vasta riqueza, efectuava largas peregrinações a Meca, comerciava ouro e sal, traficava escravos, o fez dele uma das figuras mais icónicas da história africana, bem como outras rotas comerciais que facilitaram a movimentação de pessoas entre o norte e o sul da África.

Entre os séculos XVII e XIX, predominava o “tráfico de escravos” em que milhões de africanos foram forçados a migrar para as Américas como parte do comércio transatlântico de escravos e teve impactos profundos nas sociedades africanas, nas Américas e na Europa; e ocorreram vastas “migrações inter-africanas” devido à colonização por europeus e o estabelecimento de colónias, que levou a que muitas comunidades fossem deslocadas de suas terras, forçando migrações em busca de novas áreas para viver e trabalhar.

Já no século XX, com a “descolonização e os movimentos de luta pela independência” em várias partes da África, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, ocorreram migrações significativas, tanto internas quanto para outros países, porque muitos actos ocorridos, fizeram que muitas pessoas tivessem de fugir da violência e da instabilidade; a acrescer a isto o «facto de muitas das independências não terem diminuído a violência e a instabilidade, bem pelo contrário, pelo que o emergir de inúmeros “conflitos e guerras civis” como os ocorridos em Angola, RDC, Ruanda e Somália resultaram em grandes deslocamentos populacionais, com milhões de refugiados buscando segurança em outros países africanos ou em regiões fora do continente e que se prolongam no presente século as denominadas “migrações forçadas” devido a um aumento de conflitos armados, crises políticas e desastres naturais que têm gerado fluxos contínuos de migrantes e refugiados na África; a acrescer registamos as naturais “migrações económicas” e as “mudanças climáticas” que leva muitos africanos a procurarem melhores oportunidades de emprego em países como África do Sul, Europa e América do Norte a que também não se exclui o facto de algumas significativas mudanças climáticas estão tornando algumas regiões da África incapacitadas para a agricultura, forçando as comunidades a migrar para áreas mais seguras e sustentáveis.

2. Factores Contemporâneos de Migração

Nos últimos decénios, a migração africana tem sido impulsionada por diversos factores, como a instabilidade política, os referidos conflitos armados, as constantes crises económicas e as já indicadas mudanças climáticas. Muitos africanos buscam uma vida melhor noutras partes do continente ou em regiões mais desenvolvidas. A migração rural-urbana também é um fenómeno significativo, com pessoas se deslocando para cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida, o que tem levado ao crescimento de megacidades africanas, como Luanda (Angola), Lagos (Nigéria) ou Nairobi (Quénia).

A busca por oportunidades económicas tem levado muitos africanos a países da Europa, América do Norte e outras regiões, onde as comunidades de imigrantes rapidamente se formam. Essas comunidades não apenas preservam suas tradições culturais, mas também podem influenciar – e em alguns casos, influenciam mesmo – as sociedades que os acolhem. As interacções culturais resultantes, na maioria das vezes, enriquecem a vida artística, culinária e social das sociedades de destino.

3. Dinâmicas Culturais e Identidade

O deslocamento forçado e voluntário de africanos ao longo dos séculos resultou em uma diversidade cultural que é singularmente africana. As migrações geram um fenómeno conhecido como "hibridismo cultural", onde elementos de diferentes culturas se fundem, resultando em novas expressões artísticas, modos de vida e sistemas de crenças.

Um exemplo significativo são as manifestações musicais, como o reggae na Jamaica, que incorpora ritmos africanos e elementos de resistência cultural. Da mesma forma, a literatura africana contemporânea, escrita por autores tanto no continente como na diáspora, reflecte as experiências vividas por aqueles que migraram, abordando temas de identidade, pertença e resistência.

4. Desafios e Oportunidades

Embora a migração traga uma riqueza cultural para as sociedades, também apresenta desafios. Os migrantes frequentemente enfrentam discriminação, xenofobia e dificuldades de integração. As políticas de imigração nos países de acolhimento muitas vezes são rigorosas e podem marginalizar comunidades, dificultando o fortalecimento de suas identidades culturais.

Por outro lado, as migrações podem promover o desenvolvimento económico e social, tanto para os países de origem quanto para os de destino. Remessas enviadas por migrantes para suas famílias são uma fonte vital de “financiamento” para muitas economias africanas. Além disso, a troca cultural pode levar a um maior intercâmbio de ideias e práticas, promovendo a inovação e a criatividade.

5. A crise da migração clandestina, irregular ou ilegal

Se as migrações africanas são um fenómeno contínuo que reflecte as dinâmicas sociais, políticas e ambientais do continente, as questões de identidade, pertença e direitos dos migrantes são tópicos críticos nas discussões contemporâneas sobre migração africana, tanto dentro do continente quanto em escala global.

Um desses problemas, cada vez mais actual e persistente ocorrem com migrações irregulares (ou ilegais ou clandestina) que podem resultar – e têm resultado – em diversas crises internacionais que afectam não apenas os países de origem e destino, mas também a comunidade global como um todo. Vejamos algumas das crises mais notáveis e que mais têm contribuído para a persistência e – há que o afirmar – “compra” de migração clandestina, que se mostra muito rentável para os chamados “dealers”: a migração forçada da “crise dos refugiados” devido a conflitos armados, perseguições políticas, ou desastres naturais; os “conflitos sócio-políticos” nos países anfitriões; o “tráfico de pessoas” sobre indivíduos vulneráveis que são explorados por redes criminosas (a “nova escravatura”).

Estas crises exigem respostas coordenadas entre países, ONG e instituições internacionais para garantir a proteção dos direitos humanos e a promoção de soluções sustentáveis para a migração. Só que…

6. A migração Angolana

No caso da migração em Angola, tanto interna quanto externa, pode-se dizer que é um fenómeno complexo que envolve diversas dinâmicas sociais, económicas e políticas, em grande parte, devido às “transferências rurais-urbanas”, migrando do interior para as cidades quer em busca de melhores oportunidades de emprego e acesso a serviços básicos como saúde e educação, quer devido à muita falta de condições de sobrevivência nalgumas partes do país, seja pela falta de água (secas contínua), seja pela fome (em parte para razão anterior que impede que a agricultura floresça ou que o gado sobreviva) e não poucas múltiplas “desigualdade regionais” que leva eu muitos dos nossos compatriotas procurem oportunidades no exterior, especialmente em países da África do Sul, Portugal e Brasil, onde entre outras motivações se incluem, também, busca de uma mais avançada educação técnico-profissional, emprego e melhores condições de vida.

Mas se os Angolanos se posicionam como potenciais migrantes, também Angola acaba por ser porto de destino de migrantes estrangeiros e muitos por algumas das mesmas razões que nos leva a sair do País, como a busca de melhores condições económicas e profissionais, destacando-se entre stes, portugueses, moçambicanos, chineses, malianos, mauritanos, moçambicanos e congoleses-democratas.

7. Em forma de conclusão…

A cultura das migrações africanas ao longo dos últimos séculos é um testemunho da resiliência e adaptabilidade dos povos africanos. As interacções resultantes das migrações moldaram identidades culturais ricas e diversas, que transcendem fronteiras e continentes.

Ao reconhecer e celebrar essa complexidade, podemos compreender melhor os desafios e as oportunidades que surgem num mundo em constante movimento e transformação. A cultura das migrações africanas não é apenas uma narrativa do passado, mas uma força viva que continua a influenciar o presente e o futuro das sociedades globais.

E isto pode se constatar com a migração irregular que, tendencialmente, pode criar grandes fluxos de refugiados intra-continental e, principalmente, para a “fortaleza europeia”, levando a experimentar fortes tensões diplomáticas devido a diferente visões das políticas de migração, como tem sido nalgumas nações da União Europeia que ao lidarem com a migração irregular de refugiados “constroem” muros e barreiras, em resposta a fluxos migratórios, como o aumento do nacionalismo, xenofobia e políticas anti-imigração; e isto, repito, está a ser foi observado em vários países europeus, mas, também, nos EUA, e agora com mais acuidade, devido à aproximação das eleições presidenciais e intercalares para o Congresso e Senado.

Finalmente, no caso nacional, e como se viu, a migração em Angola é um reflexo das complexidades sociais e económicas do país e com propensão para continuar a evoluir com o tempo. A análise das tendências de migração oferece-nos alguns importantes avisos sobre os desafios e oportunidades que a sociedade angolana enfrenta. Caberá – SEMPRE – aos governantes saberem como proceder. Assim o queiram e estejam preparados…


Foi, igualmente, também publicado no Jornal 
Folha 8