Texto que a seguir se transcreve parte, foi integralmente publicado no Pambazuka, na edição de hoje, em língua portuguesa e relativo ao dossiê: «The African Union and Pan-Africanism today / A União Africana e o Pan-africanismo de hoje: 58 anos depois»
Article-Summary:
Desde tempos imemoriais que Africa tem sido um continente em constante movimento migratório, tanto a nível cultural – em particular devido aos movimentos recolectores e pastorícios, – seja a nível comercial ou militar. Que sentido tem hoje a união das nações africanas? Qual é o sentido do Pan-africanismo hoje?
1. Introdução
Em 25 de Maio de 1963 foi instituída a Organização de Unidade Africana (OUA) que visava a unidade entre os africanos recentemente saídos das várias independências derivadas das lutas independentistas; em Julho de 2002, e após proposta nada inocente do antigo líder líbio, Muammar Kadhafi, a OUA converteu-se em União Africana pela convenção de Durban. A nova UA visava e visa a integração política e económica dos Estados-membros africanos bem como a solidificação dos princípios do pan-africanismo.
Ou seja, dentro de dias serão comemorados 53 anos em que a unidade africana tenta ser um facto, mas que a realidade nos tem mostrado nem sempre ser verdadeira, como se mostrará ao longo deste texto.
Desde tempos imemoriais que Africa tem sido um continente em constante movimento migratório, tanto a nível cultural – em particular devido aos movimentos recolectores e pastorícios, – seja a nível comercial ou militar.
Foram esses movimentos migratórios que permitiram o período luz dos egípcios, os seus contactos comerciais e culturais com o reino Núbio, ou destes com os povos Monomotapa – região entre Moçambique e Zimbabwe onde, segundo algumas lendas estaria o mítico reino da rainha Sabá –, as migrações cartaginesas para além das colunas de Hércules até ao “golfo do Corno de Ocidente” e à “montanha do Carro dos Deuses”[1], de onde o périplo de Hanão trouxe felpudas peles que, segundo os seus companheiros, seriam de fêmeas de gorilas, mas que, para autores como Ki-Zerbo, pertenceriam a pigmeus (o que me parece difícil dado que os pigmeus não são peludos) ou a chimpanzés (Almeida, 2004:18-20).
No entanto, as primeiras grandes migrações, que quase provocaram o desaparecimento do povo autóctone africano, os Khoi-san[2] (também ditos bosquímanos ou hotentotes, conforme as zonas), povos de tez amarelada e olhos amendoados, certamente os primeiros povos continentais, descendentes do “Kenyapithecus africanus”, do “Homo habilis” e do “Homem de Boskop”, verificaram-se com as invasões cataclísmicas dos Negros, povos negróides do Sudeste asiático, há mais de 200 séculos, com passagem pelo Sinai e pelo Mar Vermelho. De entre estes sobressaíram dois sub-grupos, os do Sudão Ocidental e os Ba’Ntu (Banto).
Sobre este facto recorde-se o recente livro da angolana Kiesse/Ôlo que citando os seus ancestrais familiares, ligados ao antigo Reino do Kongo, tanto afirmavam que os seus ancestrais eram provenientes do Egipto «Ambuta zetu, batuka kuna Ngipito» como explicavam que «O Yeto tu ana a Izael, tua tuka kuna Ngipito» (2016:32)[3].
De início, os Banto avançaram até às regiões equatoriais, onde se mantiveram durante milhares de anos. Com as migrações árabes, especialmente, aquele grupo desceu para a região do Cabo, onde chegou quase ao mesmo tempo que os calvinistas holandeses, os antepassados dos Africânderes. Em qualquer dos casos os grandes prejudicados foram os khoi-san que ficaram confinados a uma pequena região entre o deserto angolano do Namibe e a parte norte do Botswana embora existam uns quantos numa região no norte da África do Sul), ou seja, quase todo o deserto do Namibe/Calaári (Almeida, 2011:46).
Apesar da ainda existência física dos Khoi-san na África Austral, os Banto são considerados os verdadeiros povos autóctones africanos, esquecendo-se, seja por uma questão política, seja por uma questão sociológica, todos os outros membros genealógicos. Por outro lado tem-se a tendência, embora os últimos acontecimentos na região setentrional, em parte devido à Primavera Árabe, venham a demonstrar o contrário, a esquecer os povos caucasianos do Norte, os árabes, ou do sul, os africânderes.
Entre a formação da OUA e a transformação em União Africana, o Continente africano passou por diversas vicissitudes políticas, económicas e sociais importantes, nomeadamente, a transformação das antigas colónias europeias em – nalguns, poucos, casos de sucesso – potenciais Estados geradores de importantes polos de desenvolvimento económicos e políticos e militares.
O final dos anos 80 do século XX, particularmente após a implosão da antiga URSS, o fim do marxismo e a afirmação do neoliberalismo conservador, tão a gosto de Fukuyama ou de Friedman, tem sido apontado e caracterizado como sendo o grande responsável pelo movimento conducente à democratização do Continente Negro, com consequente proliferação de movimentos políticos, em especial na África subsaariana.
O norte africano debate um problema crucial: fazer coexistir os fundamentos de uma religião ainda, temporalmente, medievo ou, pelo menos assim a querem apresentar, não mutável e base de alguns sistemas políticos nacionais, com os ideais democráticos ditos ocidentais e laicos, onde o direito do Estado predomina sobre o direito eclesiástico. A “Primavera Árabe” foi – é – o exemplo vivo disso mesmo.
Vários processos eleitorais como no Chade e no Uganda, no Mali e na Nigéria, na Guiné-Bissau ou em Madagáscar, só para citar alguns exemplos, resultaram em Coup d’États ilegais e condenados pelas instituições internacionais, nomeadamente pela União Africana e que os centros decisórios regionais não conseguem fazer estancar, como os que se seguiram a uma transição, ainda que nem sempre tranquila, de sistema monopartidários para consagrados sistemas pluripartidários: Cabo Verde, Namíbia e África do Sul (ainda que alguns englobem, também neste grupo, Angola e Btswana) são vistos como exemplos a seguir.
Se a nível político, África tem registado evoluções e recuos sistemáticos, já a vertente cultural não tem sido descurada, (nem por alguma vez essa questão se poderia colocar), até porque, mais do que o desafio que à partida nos é imposto, África é uma miscelânea de culturas com que a todo o passo tropeçamos. Aliás, a primeira parte deste texto abordou uma das problemáticas culturais do continente, os fluxos migratórios, sejam internos, sejam externos, bem assim toda a influência que os mesmos tiveram na formação cultural e, mais tarde, na nova engenharia social e política da África em mutação.
2. Que perspectiva e que prospectivismo?
a. A Formação das duas Áfricas
Face aos actuais movimentos políticos – uns, contestatários, outros, de ruptura – que por quase toda a África persiste, é legítimo questionar se se trata de um sintoma em que o sistema partidário que nos querem impor está em involução e, como tal, a ser progressivamente substituído por um pluralismo cultural, ou, pelo contrário, estamos a caminho de uma vertente politicamente proto-mexicanizada[4] como se verifica em alguns Estados? (...)
Continuar a ler em: http://www.pambazuka.org/pt/pan-africanism/ua-e-o-pan-africanismo-de-hoje-que-pan-africanismo-e-que-fronteiras-haver%C3%A3o-no-nosso
1. Introdução
Em 25 de Maio de 1963 foi instituída a Organização de Unidade Africana (OUA) que visava a unidade entre os africanos recentemente saídos das várias independências derivadas das lutas independentistas; em Julho de 2002, e após proposta nada inocente do antigo líder líbio, Muammar Kadhafi, a OUA converteu-se em União Africana pela convenção de Durban. A nova UA visava e visa a integração política e económica dos Estados-membros africanos bem como a solidificação dos princípios do pan-africanismo.
Ou seja, dentro de dias serão comemorados 53 anos em que a unidade africana tenta ser um facto, mas que a realidade nos tem mostrado nem sempre ser verdadeira, como se mostrará ao longo deste texto.
Desde tempos imemoriais que Africa tem sido um continente em constante movimento migratório, tanto a nível cultural – em particular devido aos movimentos recolectores e pastorícios, – seja a nível comercial ou militar.
Foram esses movimentos migratórios que permitiram o período luz dos egípcios, os seus contactos comerciais e culturais com o reino Núbio, ou destes com os povos Monomotapa – região entre Moçambique e Zimbabwe onde, segundo algumas lendas estaria o mítico reino da rainha Sabá –, as migrações cartaginesas para além das colunas de Hércules até ao “golfo do Corno de Ocidente” e à “montanha do Carro dos Deuses”[1], de onde o périplo de Hanão trouxe felpudas peles que, segundo os seus companheiros, seriam de fêmeas de gorilas, mas que, para autores como Ki-Zerbo, pertenceriam a pigmeus (o que me parece difícil dado que os pigmeus não são peludos) ou a chimpanzés (Almeida, 2004:18-20).
No entanto, as primeiras grandes migrações, que quase provocaram o desaparecimento do povo autóctone africano, os Khoi-san[2] (também ditos bosquímanos ou hotentotes, conforme as zonas), povos de tez amarelada e olhos amendoados, certamente os primeiros povos continentais, descendentes do “Kenyapithecus africanus”, do “Homo habilis” e do “Homem de Boskop”, verificaram-se com as invasões cataclísmicas dos Negros, povos negróides do Sudeste asiático, há mais de 200 séculos, com passagem pelo Sinai e pelo Mar Vermelho. De entre estes sobressaíram dois sub-grupos, os do Sudão Ocidental e os Ba’Ntu (Banto).
Sobre este facto recorde-se o recente livro da angolana Kiesse/Ôlo que citando os seus ancestrais familiares, ligados ao antigo Reino do Kongo, tanto afirmavam que os seus ancestrais eram provenientes do Egipto «Ambuta zetu, batuka kuna Ngipito» como explicavam que «O Yeto tu ana a Izael, tua tuka kuna Ngipito» (2016:32)[3].
De início, os Banto avançaram até às regiões equatoriais, onde se mantiveram durante milhares de anos. Com as migrações árabes, especialmente, aquele grupo desceu para a região do Cabo, onde chegou quase ao mesmo tempo que os calvinistas holandeses, os antepassados dos Africânderes. Em qualquer dos casos os grandes prejudicados foram os khoi-san que ficaram confinados a uma pequena região entre o deserto angolano do Namibe e a parte norte do Botswana embora existam uns quantos numa região no norte da África do Sul), ou seja, quase todo o deserto do Namibe/Calaári (Almeida, 2011:46).
Apesar da ainda existência física dos Khoi-san na África Austral, os Banto são considerados os verdadeiros povos autóctones africanos, esquecendo-se, seja por uma questão política, seja por uma questão sociológica, todos os outros membros genealógicos. Por outro lado tem-se a tendência, embora os últimos acontecimentos na região setentrional, em parte devido à Primavera Árabe, venham a demonstrar o contrário, a esquecer os povos caucasianos do Norte, os árabes, ou do sul, os africânderes.
Entre a formação da OUA e a transformação em União Africana, o Continente africano passou por diversas vicissitudes políticas, económicas e sociais importantes, nomeadamente, a transformação das antigas colónias europeias em – nalguns, poucos, casos de sucesso – potenciais Estados geradores de importantes polos de desenvolvimento económicos e políticos e militares.
O final dos anos 80 do século XX, particularmente após a implosão da antiga URSS, o fim do marxismo e a afirmação do neoliberalismo conservador, tão a gosto de Fukuyama ou de Friedman, tem sido apontado e caracterizado como sendo o grande responsável pelo movimento conducente à democratização do Continente Negro, com consequente proliferação de movimentos políticos, em especial na África subsaariana.
O norte africano debate um problema crucial: fazer coexistir os fundamentos de uma religião ainda, temporalmente, medievo ou, pelo menos assim a querem apresentar, não mutável e base de alguns sistemas políticos nacionais, com os ideais democráticos ditos ocidentais e laicos, onde o direito do Estado predomina sobre o direito eclesiástico. A “Primavera Árabe” foi – é – o exemplo vivo disso mesmo.
Vários processos eleitorais como no Chade e no Uganda, no Mali e na Nigéria, na Guiné-Bissau ou em Madagáscar, só para citar alguns exemplos, resultaram em Coup d’États ilegais e condenados pelas instituições internacionais, nomeadamente pela União Africana e que os centros decisórios regionais não conseguem fazer estancar, como os que se seguiram a uma transição, ainda que nem sempre tranquila, de sistema monopartidários para consagrados sistemas pluripartidários: Cabo Verde, Namíbia e África do Sul (ainda que alguns englobem, também neste grupo, Angola e Btswana) são vistos como exemplos a seguir.
Se a nível político, África tem registado evoluções e recuos sistemáticos, já a vertente cultural não tem sido descurada, (nem por alguma vez essa questão se poderia colocar), até porque, mais do que o desafio que à partida nos é imposto, África é uma miscelânea de culturas com que a todo o passo tropeçamos. Aliás, a primeira parte deste texto abordou uma das problemáticas culturais do continente, os fluxos migratórios, sejam internos, sejam externos, bem assim toda a influência que os mesmos tiveram na formação cultural e, mais tarde, na nova engenharia social e política da África em mutação.
2. Que perspectiva e que prospectivismo?
a. A Formação das duas Áfricas
Face aos actuais movimentos políticos – uns, contestatários, outros, de ruptura – que por quase toda a África persiste, é legítimo questionar se se trata de um sintoma em que o sistema partidário que nos querem impor está em involução e, como tal, a ser progressivamente substituído por um pluralismo cultural, ou, pelo contrário, estamos a caminho de uma vertente politicamente proto-mexicanizada[4] como se verifica em alguns Estados? (...)
Continuar a ler em: http://www.pambazuka.org/pt/pan-africanism/ua-e-o-pan-africanismo-de-hoje-que-pan-africanismo-e-que-fronteiras-haver%C3%A3o-no-nosso