O semanário Folha 8
solicitou-me, enquanto académico e investigador angolano, uma análise – um
balanço – aos quase 38 anos de tripla presidência de José Eduardo dos Santos, como
mais Alto Magistrado da Nação como Titular
do Poder Executivo e como Presidente do, partido maioritário que desde a
independência, em 11 de Novembro de 1975, governa os destinos e algumas insânias
da nossa grande Nação angolana.
José Eduardo dos Santos, como se sabe, antes dos cargos que
ainda ocupa, foi um destacado representante do MPLA junto das cúpulas militares
das então FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola –, braço
armado do então movimento emancipalista e anti-colonialista, MPLA, e que, após
a independência, se tornaram nas forças armadas da então República Popular de
Angola (RPA).
Recorde-se o papel que teve, enquanto major, no conflito
pré-27 de Maio de 1977, entre a facção, dita fraccionista – ou fraccionismo –,
de Nito Alves – à época, Ministro da Administração Interna da RPA – e a via
oficial do então presidente do MPLA e do País, Agostinho Neto, quando liderou a
Comissão criada para estudas as chamadas 13 Teses de Nito Alves. (poderão ler
mais desenvolvidamente no meu ensaio, “Angola, Potência Regional em Emergência”,
páginas 67 a 71).
Sintetizar os quase 38 anos de liderança de José Eduardo dos
Santos, como líder do MPLA, desde 10 de Setembro de 1979, após falecimento do
Dr. Agostinho Neto, à época presidente do Partido e 1º Presidente de Angola
independente, como Presidente da República, desde 20 de Setembro de
1979 – provavelmente deverá
mesmo completar os 38 anos na Presidência da República, porque desde as
eleições a 23 de Agosto próximo, dias antes do Presidente Eduardo dos Santos
completar 75 anos de idade, até à confirmação oficial, pela Comissão nacional
de Eleições e pelo Tribunal Constitucional do partido vencedor e, por
inerência, do cabeça de lista como Presidente eleito, dificilmente haverá um
novo Presidente antes de 20 de Setembro – e os longos anos como Titular do
Poder Executivo – não esquecer e, independentemente do que os analista
políticos possam interpretar (eu faço-o como investigador e não como analista
político) que durante alguns períodos o Poder Executivo foi liderado por
Primeiros-ministros, alguns dos quais fizeram valer as suas competência e
autoridade como tais – é, em tão pouco tempo e espaço, muito difícil.
Por isso, recordemos
alguns factos que ocorreram neste período:
- ·
Uma sangrenta luta fratricida
(guerra-civil) entre a RPA, do MPLA, e a UNITA, que teve o seu trágico fim em
Fevereiro de 2002;
- ·
Não esquecer que em 1992, e após o
Acordo de Bicesse de 1990 que trouxe, além de uma Paz efémera, o
multipartidarismo, que permitiu a realização de eleições gerais, contestadas
pela UNITA, de que resultou uma Assembleia Constituinte que alterou,
definitivamente, a liderança monopartidária do MPLA e transformou a RPA em
República de Angola, subordinada ao Estado de Direito, algo que tem sido
contradito quanto à sua efectiva realização;
- ·
O fim da guerra-civil permitiu serem criadas
as condições para uma efectiva Paz militar – ainda que se pareça
quase total, não esqueçamos o problema de Cabinda –,
faltando consolidar dois princípios fundamentais de um Estado de Direito, algo
que os dois mandatos presidenciais, da pós-Constituição de 2010, parecem não
ter conseguido lavrar: mais paz política, social e melhor redistribuição
económica.
- ·
Foram – são – várias as causas que nos podem
levar a colocar alguma reticência na paz política e social, não só pelas
questões políticas actuais, com as diversas makas e desencontros entre o
partido maioritário no Poder e a Oposição, como as questões jurídicas com o
caso dos jovens detidos por assumirem posições politicamente divergentes com o
“status quo”, a aceitação plena do candidato proposto por Eduardo dos
Santos para liderar o MPLA nas eleições gerais, e, principalmente…
- ·
Como irão coexistir, no caso da vitória do
MPLA nas próximas eleições gerais e subsequente eleição do seu cabeça de lista,
João Lourenço, como Presidente, a mais que certa liderança bicéfala neste
partido; ou seja, como poderá este candidato, caso se torne Presidente e
Titular Executivo, gerir os interesses da Nação Angolana, se estes colidirem
com os interesses partidários que, em princípio, até 2018, serão da
responsabilidade de José Eduardo dos Santos?
- Já na Paz Social, por muito
que possa ter tentado, foi algo que o Poder Executivo de Eduardo dos Santos,
parece ter desconseguido materializar; não podemos esquecer que, apesar de
vários e evidentes sinais de um desenvolvimento económico, na quase totalidade
do território nacional, ainda existem inúmeros – demasiados – núcleos de
pessoas em condições infra-humanas, em especial, no que toca à salubridade
pública, à persistente falta de condições económicas aliada à existência –
pouco explicada o como – de um elevado número de milionários e multimilionários
– segundo o portal AngoNotícias, em 2015 haviam 4900 milionários que, de acordo
com o portal A24, terão subido para, em 2016, 6400, tornando-nos no 5º país de África com mais milionários, e recentemente, soube-se que destes, 320 são
multimilionários –, bem como uma persistente endemia de doenças perigosas e que
poderiam ser evitadas ou minoradas se houvesse mais saneamento básico,
nomeadamente na capital.
Estes
factos podem não ser suficientes para caracterizar os 38 anos de Poder de José
Eduardo dos Santos. Não o são, certamente. Mas tenho de pensar que estou a
escrever para um Jornal – semanário – e não para uma Revista científica de
Ciências Sociais. E um jornal tem limitações maiores que uma revista não impõe-*
Lisboa, 5 de Maio de 2017
*Investigador Doutorado do CEI-IUL, do ISCTE-IUL.
** texto publicado no Jornal Folha 8, de 6 de Maio de 2017, na página 10 com o título «Uma Tripla Presidência»