O rescaldo do recente seminário do MPLA, que teve por
base o combate à corrupção, ao
nepotismo e ao branqueamento de capitais, poderá ter sido mais amargo
para algumas pessoas e militantes do partido do que a iniciativa fazia prever.
Se na abertura do Seminário, José Eduardo dos Santos,
enquanto presidente do MPLA, defendeu que os militantes deveriam dar um claro apoio
ao Executivo, saído das eleições de 23 de Agosto no combate à corrupção e ao nepotismo no país e que
o MPLA tem de liderar uma “sociedade mais justa”, algo que já defendera
em recentes discursos ao País de Ano Novo e na AN, saltou igualmente à vista
dos analistas a total omissão do nome do líder do Executivo e o ênfase ao
caminho do partido.
Por isso era esperada com alguma curiosidade as
palavras de encerramento de João Lourenço, Presidente da República, líder do
Executivo e vice-presidente do MPLA. E elas não decepcionaram; e começou logo
pela saudação onde o ricochete da “lapada” se fez sentir: o “Camarada
Presidente” foi omitido!
Mas o mais importante que sobressaiu das palavras de
Lourenço foram, ou acabaram por ser, além do sublinhar dos combates que o Seminário
abordava, foi o repto aos capitais nacionais expatriados retornarem a Angola, sem custos ou penalizações, para serem reinvestidos em empresas geradoras de bens, de serviços, indústrias e
outras para benefício dos angolanos.
E sublinhou que esse retorno não só não implicaria
algum tipo e investigação – tipo “caça às bruxas” – sobre a forma como teriam
sido obtidos esses capitais e como teriam saído, como seria um certo incentivo
ao investimento externo no País. E sublinhou que esta exigência não tinha
qualquer ideia subentendida de
perseguição aos ricos ou a famílias abastadas, mas um claro combate à corrupção.
As dúvidas que se põem prendem-se em duas pertinentes
questões: i) findo um prazo apresentado e
não havendo cumprimento do livre retorno dos capitai, como é que o Estado angolano poderá considerar, estes, dinheiro
de Angola e dos angolanos e como tal agir junto das autoridades dos países de
domicílio, para tê-lo de volta, e como é que isso se poderá concretizar, de facto, o seu retorno? ii) e em que medida esta decisão envolverá
Portugal, considerado como um dos destinos preferenciais de capitais angolanos?
Duas questões que só as relações jurídicas entre os
Estados poderão resolver, depois do Executivo legislar sobre esta matéria. E,
no caso de Portugal, será mais interessante, tendo em conta o caso Fizz/Manuel
Vicente.
Finalmente, outro facto importante, ou talvez, ainda
mais, nas palavras de João Lourenço. O “exigir” que a AN cumpra a sua função de
exercer “de facto a sua função
fiscalizadora do Executivo, nos termos previstos na Constituição e na Lei”.
Ora, sabe-se que o Tribunal Constitucional, a pedido do Executivo de dos Santos
declarou que o Parlamento não (de)tinha essa competência. Fica a questão.
Publicado no jornal português Público, em 15 de Dezembro de 2017,
página 4, sob o título «Discurso de João Lourenço trouxe desafios e
interrogações»; e, na véspera, ao princípio da noite, no portal: https://www.publico.pt/2017/12/14/economia/opiniao/discurso-de-joao-lourenco-trouxe-desafios-e-interrogacoes-1796046
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