Entrevista de ISABEL BORDALO, do Novo Jornal (Angola)
(Novo Jornal) O título do seu livro é «Angola. Potência em emergência». O que falta para Angola se tornar efectivamente uma potência?
(Eugénio Costa Almeida) Há vários factores necessários para que um estado seja considerado uma potência, seja local, regional, intermédia ou global como, por exemplo, ter capacidade de influenciar, de uma forma organizacional, política, ideológica, económica, militar e tecnologicamente. Ora, neste momento, Angola ainda não goza de capacidade tecnológica para ser vista como um potência de facto.
(NJ)Face a países como África do Sul, Nigéria e Marrocos, por exemplo, Angola tem condições para se assumir como Estado director?
(ECA)Face à Nigéria e a Marrocos, definitivamente. Face à África do Sul já o caso é mais problemático. Os sul-africanos estão, tecnicamente, mais avançados e afirmados como potência africana. Todavia, Angola tem condições para, dentro de alguns anos, conseguir chegar ao mesmo estágio.
(NJ)Quais os trunfos que o país apresenta? E os constrangimentos?
(ECA)Os principais trunfos são, não necessariamente por esta ordem, estabilidade política, militar e alguma certa estabilidade organizacional. Quanto aos constrangimentos apontam-se de ordem sociológica, tecnológica e uma quase mono-economia assente recorrentemente no maior impacto do petróleo e dos diamantes. Contudo, parece ser vontade governativa alterar este critério económico pouco saudável, como reconhece o OGE, que já reduz o impacto do petróleo a 13,4% do PIB em contrapartida com outras actividades económicas que já atingem 12,5% do OGE.
(NJ)Que papel Angola joga hoje no contexto regional e continental? Que papel tem o petróleo nesse contexto?
(ECA)Angola é, ou está, considerada como uma plataforma de estabilidade na região onde se insere; no caso na região central e médio-meridional de África. Tem um papel de moderador e de estabilizador. Quanto ao petróleo penso que já respondi na pergunta anterior. Ainda assim, não devemos esquecer que Angola é – e agora mais do que nunca com a crise da Líbia – um dos dois maiores produtores e exportadores de crude de África.
(NJ)É ainda relevante o facto de Angola ter herdado um exército de grande dimensão no rescaldo da prolongada guerra à qual serviu de palco para essa afirmação?
(ECA)É evidente que sim. E é também evidente que esse facto contribuiu e contribui para que o Pais continue a ser respeitado, não só pela dimensão, mas também pela sua qualidade. As FAA’s “aglutinaram” dois exércitos combatidos, poderosos, respeitados e organizados que melhoraram qualitativamente a já boa organização das FAA’s. E isso, num continente onde as forças castrenses são e continuam, mesmo com as alterações políticas e o fim da maioria dos monopartidarismo, a ser muito respeitadas, o que tem muito impacto!
(NJ)A aposta na deslocação de forças militares para outras latitudes em África, como a Guiné-Bissau ou ainda a região dos Grandes Lagos, entre outros exemplos, é decidida no âmbito de uma estratégia que visa aumentar a influência de Luanda em África e, por essa via, adquirir um suporte para “falar” com o resto do mundo?
(ECA)Não creio, embora possa haver algum fundo de verdade nessa interpretação. Mas, como se viu, Luanda não quis colocar tropas suas na região dos Grandes Lagos, limitou-se a “assessorar” a política de entente da África do Sul na zona, como declinou imiscuir-se militarmente na Somália. A presença na Guiné-Bissau insere-se, creio, na afirmação de Angola no seio da CPLP e da Lusofonia face à grande potência que é o Brasil e a potência cultural que é Portugal. Tal como foi a presença, simbólica, segundo uns, mais efectiva, de acordo com outros rumores, em São Tomé e Príncipe, a dada altura.
(NJ)O seu doutoramento, com a dissertação "A União Africana e a Emergência de Estados-Directores no Continente Africano: O Caso de Angola" deu origem ao livro que lançou hoje. O que o motivou a passar este trabalho a livro? Chegou a alguma conclusão que o tenha surpreendido?
(ECA)O principal motivo deixar um trabalho para outros – ou mesmo eu – poderem continuar a desenvolver e porque fui incentivado nesse sentido durante a defesa oral pública do mesmo. Surpresas? Se houve, e há sempre, porque descobrimos sempre coisas novas, a haver aconteceram durante a investigação durante o chamado trabalho de campo. Outras surpresas, essas ficam para o leitor descobri-las, caso considerem-no haver.
(NJ)Acha que este seu trabalho pode influenciar a actuação do poder político angolano e, por outro lado, ajudar os actores políticos e económicos dos outros países a olharem para Angola?
(ECA)Nem pouco mais ou menos. Seria atrever-me a testar como influenciador da vida política nacional. E, honestamente, não me vejo nesse papel. Sou um simples analista político e, principalmente, um académico. E é nesse sentido que desejo ser lido e analisado. Se o livro ajudar a melhorar certos factores da vida política nacional ficarei contente por isso. Será o reconhecimento que o ensaio trouxe algo ao país. Agora ter capacidade de influenciar a actuação do poder político, penso que não. E quanto aos actores políticos externos, espero que eles continuem a olhar para nós com respeito e cordialidade. E se pudermos influenciar as suas vidas, então…
(NJ)Se José Eduardo dos Santos sair da presidência de Angola, este balanço expansionista pode sofrer algum revés?
(ECA)Depende o que considerar balanço expansionista. Em qualquer dos casos precisamos de não esquecer que os Países permanecem enquanto os políticos são “recicláveis”. Ou seja, nem Eduardo dos Santos é permanente e numa democracia existe a saudável alternância do Poder, nem Angola pode manter-se encostada nas boas ou deficientes decisões de um qualquer político por mais credível e forte que tenha ou possa ter sido, como é o caso de José Eduardo dos Santos. Por isso, creio que quando dos Santos sair deixará, por certo, genes suficientes para que o País não perda a sua influência.
(NJ)Na véspera da apresentação do seu livro, afirmou: “Não me parece que a democracia seja o ponto fulcral para a afirmação de qualquer estado como potência regional". Se olharmos para países como a China percebemos essa afirmação. Qual é então o ponto fulcral?
(ECA)Principalmente a estabilidade social, política e económica. Contudo é importante para a credibilidade de um Estado que as decisões políticas sejam praticadas com a maior transparência possível. E isso só é possível com a Democracia. Qual? Aí é que reside o grande problema. Segundo a Ciência Política a Democracia é a que nos oferece o Mundo Ocidental que bebeu na escola helénica. Ora os nossos Kotas dizem que em África também existe uma escola de Democracia que deve ser preservada. Isso deixo para os sociólogos especializados e para os antropólogos estudarem e nos oferecerem um trabalho nesse sentido.
(NJ)Qual é o seu conceito?
(ECA)Eu acredito que existe um outro tipo diferente de Democracia que não tenha de ser somente a do Mundo Ocidental. Mas também acredito que é o Povo que deve dirigir os seus destinos através de indivíduos habilitados e acreditados para isso. E porque a Democracia, dada as suas variantes, não é o ponto fulcral que o disse.
(NJ)Afirmou também que "Angola está para a região centro-austral da África como a Alemanha está para toda a Europa ocidental e central". Não é excessiva a comparação, tendo em conta que a Alemanha é a economia mais robusta da Europa e está assente na diversificação, ao contrário de Angola que está muito dependente do petróleo?
(ECA)Não. É preciso ver o contexto. Pode ter parecido excessiva a afirmação, mas quando é analisada historicamente, não penso que seja. E o contexto foi histórico. É certo que a Alemanha é nesta altura o motor económico da Europa. Mas recordemos que, em certos períodos da História europeia, os germânicos estavam quase falidos e não deixaram de influenciar a região onde se inseriam. Por isso, compreendo a sua questão, mas não me parece que isso possa ser suficiente para que Angola não continue a afirmar-se como potência. E, vejamos – embora sob uma forma irónica – se virmos bem a economia alemã assenta quase exclusivamente e também numa monoeconomia: a da indústria automóvel. É evidente que estamos a conversar sob uma análise irónica.
(NJ)O senhor questiona se será possível a existência de potências regionais no quadro da União Africana (UA), considerando que aquela organização prevê que haja "um único organismo que conglomere todos os países ao mesmo nível". O papel que a Alemanha e a França desempenham no contexto da União Europeia não esclarece essa dúvida?
(ECA)Não, porque a União Europeia ainda admite o cenário de Nações no seu seio. Ora a União Africana foi criada não como a sua antecessora, a OUA, ou seja, uma Organização de Países, Nações e Estados, mas visando a ideia peregrina de um visionário – fico-me por aqui na qualificação – chamado Kadhafi que queria uns Estados Unidos de África onde as Nações não existiriam mais e muito menos os Países! Ora quer a Alemanha, quer a França não prescindem do seu papel no seio da comunidade europeia e internacional. Talvez por isso a crise europeia não desenvolva nem acabe. Talvez possa degenerar mal. Recordemos que franceses e germânicos sempre se deram pouco bem e que ainda há territórios de uns na posse de outros…
(NJ)No caso africano quais são os países que podem ser potências regionais e quais são os trunfos que apresentam?
(ECA)Claramente, e na minha análise, a citada África do Sul, Angola, naturalmente, a Nigéria, como reguladora de uma parte substancial do Golfo da Guiné, Senegal, o Estado mais equilibrado política, social e economicamente na região – apesar de ter sido derrotado militarmente durante uma das enésimas crises da Guiné-Bissau – o Quénia e, ou, o Uganda na região oriental, devido à sua influência nas questões do Corno de África e nos Grandes Lagos, também, tal como o Senegal, gozam de condições políticas sociais e económicas assinaláveis além de uma boa organização militar. Finalmente, no Norte de África, prevejo que Marrocos e Argélia serão os que, dentro de algum tempo, poderão apresentar-se como as principais referências da região setentrional africana, a par do Egipto. No entanto, este pretende afirmar-se mais no seio do Médio Oriente e não tanto em África.
(Em caixa)
(NJ)Em 2007, começou uma conferência, na Universidade Católica de Lisboa, a propósito do Dia de África, com este preambulo. “Ser-me-ia politicamente correcto começar por afirmar que o Continente africano prospectiva um futuro risonho e inimaginável, principalmente, com o apoio esclarecido e despretensioso de todos os que o apreciam e adoram. Ser-me-ia fácil fazê-lo. Mas não estamos aqui para sermos politicamente correctos mas para analisarmos que futuro se perspectiva para África”. Cinco anos depois, há menos razões para ser cauteloso?
(NJ)Em 2007, começou uma conferência, na Universidade Católica de Lisboa, a propósito do Dia de África, com este preambulo. “Ser-me-ia politicamente correcto começar por afirmar que o Continente africano prospectiva um futuro risonho e inimaginável, principalmente, com o apoio esclarecido e despretensioso de todos os que o apreciam e adoram. Ser-me-ia fácil fazê-lo. Mas não estamos aqui para sermos politicamente correctos mas para analisarmos que futuro se perspectiva para África”. Cinco anos depois, há menos razões para ser cauteloso?
(NJ)Tem um blogue «Pululu», onde vai analisando a política internacional, com enfoque em África. Num dos comentários recentes, após a morte de Kadhafi, constata que “Os estados não têm amigos nem inimigos! Só interesses a defender!”, mas “quando a hipocrisia é demais, imunda”. Quer explicar?
(ECA)Parece-me que o texto é suficientemente esclarecedor e que a afirmação é suficientemente percebível para o que se passa, passou e, infelizmente, vai continuar a passar no seio das relações internacionais. Mas, sinteticamente, recordemos que enquanto esteve no Poder, Kadhafi foi a personna política africana que mais foi “acarinhada” pelos políticos mundiais, mesmo pelos políticos que tudo fizeram para o derrubar. Não foi por ser um déspota que foi derrubado. Não somos ingénuos.
(NJ)Foi porquê?
(ECA)Questões político-militares e económicas tiveram muito mais impacto na sua queda que o facto de Kadhafi ter sido um sanguinário ditador. A sua deposição foi sinalizada quando começou a ameaçar os eventuais podres de alguns dos seus correligionários em certos países ocidentais e mesmo orientais. A desculpa dos ataques à sua própria população só serviu disso mesmo: de desculpa. Porque é que não se usa a mesma desculpa para os ataques às populações sírias pelo líder e homens de mãos do presidente sírio?
(NJ)O seu blogue foi considerado, em Setembro de 2007, pela Gazeta do Povo, Brasil, como um dos 50 blogs para entender o mundo e um dos cinco mais entre os blogs africanos. O que o motiva?
(ECA)Penso que como todos nós quero contribuir para um Mundo angolano, um Mundo africano, um Mundo melhor. Por outro lado, o blogue serviu para começar a guardar informações que mais tarde seriam úteis na dissertação para o Doutoramento.
(NJ)Ficou surpreso com a classificação da Gazeta do Povo?
(ECA)Fiquei. Até porque só soube deste prémio”, chamemos assim, por terceiros, mais concretamente através do engº Professor
(NJ)No ícone que remete para o seu perfil no «Pululu, surge uma imagem do Pensador, estátua angolana tradicional, e a frase “de pensadores, todos temos um pouco”. A política internacional não aconselha a reformular a frase?
(ECA)Tal como já formulei em tempos e ainda há momentos reapresentou essa questão, a política internacional, actualmente parece ter muito de pouco clareza. Talvez por isso pense que ainda devemos ser todos Pensadores e reflectirmos como tal. Será possível? Deveremos reformular o(s) nosso(s) pensamento(s)? Talvez! Talvez devamos ser mais executores. Mas como ser bons executores, bons gestores se não soubermos ser bons Pensadores?
(NJ)Mas como sermos bons executores, bons gestores se não soubermos ser bons Pensadores?
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