06 maio 2009

Uma estória para re(ver)...

(imagem ©daqui)

Passando por cima de qualquer publicidade ou subjugação e subserviência patriótica ou partidária e porque o texto de José Ribeiro, director do único diário luandense (e de Angola), o Jornal de Angola, parece transmitir mais do que uma simples estória normal mas uma alegoria sobre alguém muito próximo e porque é belo e tocante tomo a liberdade de o retranscrever. Até porque também o que é bom deve ser louvado!

"Com olhos de ver
Uma menina adolescente está cega de um olho e o outro está a perder faculdades. Ainda não tinha um ano quando uma “sombra” começou a apoderar-se do seu olho esquerdo. Depois surgiu uma bolinha branca que aos poucos foi crescendo e à medida que crescia, a menina ficava cega.
Quando chegou ao Ensino Secundário já tinha perdido a visão no olho esquerdo porque a bolinha branca cresceu muito. A menina ficou com medo porque começou a ver mal do olho direito. E quando se via ao espelho, o olho bom mostrava que no centro do olho doente já só existia uma mancha branca.
Vaidosa, como todas as meninas adolescentes, começou a esconder o seu belo olhar no chão. Tinha vergonha da sua enfermidade. Magoava-a mais do que não ver. É muito triste quando uma menina com toda a força e vontade de viver vai perdendo a visão antes de saber nada do mundo.
Um dia a menina pediu ajuda. Queria ir a um sítio qualquer, no mundo que lhe fugia dos olhos, para os médicos lhe restituírem a visão. Ela queria muito associar à frescura e alegria da juventude a luz dos dias de paz que Angola vive.
No estrangeiro as consultas são caras, as viagens caríssimas, as hospedagens ainda mais. Se Angola está em paz e já temos tantos hospitais, tantos médicos, tantos meios auxiliares de diagnóstico, pode ser que haja solução para a menina que quer ver o mundo com os seus olhos.
E a menina, numa madrugada serena, partiu para Benguela. Amanhecia quando passou a ponte do Kwanza. O sol ia alto quando na baía de Benguela-a-Velha, mais conhecida por Porto Amboim. Depois o Sumbe a fervilhar de vida e com os morros repletos de casas que desafiam a lei da gravidade. Na Canjala e seu mercado de estrada pediu para parar. Via o mundo desequilibrado e sentiu náuseas. Vomitou. A mãe disse que é frequente acontecer. E depois o Lobito, verdadeiro canteiro de obras.
Em Benguela, o Hospital Provincial, de cara lavada, tem uma unidade nova, inaugurada o ano passado pelo Presidente da República. Vai lá gente de toda a Angola procurar remédio para as suas doenças da visão. É uma clínica oftalmológica de ponta, ao nível do melhor que há no mundo. Estou a minimizar. É a melhor do mundo em afecto, em solidariedade, em amor pelo próximo. Uma equipa de bonitas e simpáticas médicas cubanas estava à espera da menina. Receberam-na como se fosse filha delas.
De sala em sala, de exame em exame, a menina chegou à frente de um especialista que olhou para ela e disse: - Cataratas! Mais exames, mais carinho, mais competência, mais amor. A menina, no dia seguinte, foi operada com as técnicas mais avançadas do mundo. À noite já se ria como todas as meninas da sua idade. Na manhã seguinte foi tirar o penso e descobriu que via do olho cego!
“Ainda vejo um bocadinho fosco, mas vejo”, disse a menina. Mas o olho que estava cego, via outra vez. As médicas cubanas tinham restituído à menina a luz do dia e a alegria de viver. De regresso a Luanda, pela estrada nacional, não voltou a vomitar. As náuseas acabaram.
Quanto custou a operação da Nareth? Nada. Ela e a sua família ficaram apenas com uma imensa dívida de gratidão para com a equipa médica. E a equipa médica diz que a dívida está paga, desde que os povos de Angola e de Cuba deram as mãos no combate comum pela dignidade e pela liberdade.
Angola tem uma clínica oftalmológica que está ao nível das melhores do mundo. Mas melhor do que o pessoal médico, técnico, de enfermagem, da recepção, da limpeza, da portaria, de toda a clínica, não há no universo. A Nareth tem um país onde é bom viver e onde é óptimo estar com olhos de ver. A clínica oftalmológica de Benguela é resultado do único milagre em que acredito: a solidariedade entre os povos e o respeito pelos seres humanos.
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