08 abril 2007

Como se explica um mutismo tão ensurdecedor? - artigo

(em 1988, tão amigos que eles eram...)
"Num país democrático quando um líder é acusado ou indiciado que um qualquer crime ou de situação menos clara coloca o seu cargo à disposição do povo através do Procurador-geral ou através do Parlamento Nacional ou através do júri mais avalizado, o voto do povo.
Num país democrático é isto que acontece!
Relembremos o que se passou, já por mais de uma vez em Israel que Chefes de Governo e Presidentes puseram os seus cargos à disposição das respectivas autoridades, demitindo-se e deixando estas apurar das responsabilidades daqueles, punindo-os ou ilibando-os.
Isto é num país democrático.
E quando os acusados ou indiciados, se políticos, de ‘per si’, “se esquecem” de pedir qualquer investigação, há sempre uma autoridade mais alta e mais independente do poder político, por exemplo, um Procurador-geral, que ordena essa investigação e, em caso de provas contra o político prevaricador, exigir, e não poucas vezes o faz, a sua demissão e sempre que tal o justifique, a sua detenção.
E vimos isso no Brasil com a demissão de Collor de Melo, ou nos EUA com a forçada auto-demissão de Nixon ou com a severa crítica a Clinton.
Isto é num país democrático.
Mas também casos hão, e em países democráticos, que líderes e caciques locais, ou autárquicos, não só não se demitem como se dão ao direito de gozar com as autoridades e de se apresentarem de novo a eleições e serem reeleitos com o voto popular.
Isto também acontece em países democráticos.
Por isso não surpreende que num país onde a teocracia ainda predomina líderes políticos e militares seus sejam veladamente acusados de terem auferido mais de três dezenas de milhões de dólares em comissões por compra de material de guerra como tanques, helicópteros e, pasme-se, navios de guerra, para combater uma guerrilha que acusava de estar a destruir o tecido social do país e, pasme-se ainda mais, se limitava a combater no interior desse mesmo país.
Num país democrático isto não iria, por certo, acontecer.
Mas quando o país está sobre uma teocracia é natural que isso não aconteça.
Porque se o país fosse realmente democrático e se os tais líderes não se demitissem ou, naturalmente, exigissem uma investigação pública e aprofundada, o Procurador-geral deveria fazê-lo.
Num país teocrático isso não só se verifica como se abafa, mesmo que essa velada acusação recaia no país.
Até quando se vai ter de continuar a aguentar com veladas acusações de corrupção no topo sem que ninguém assuma a responsabilidade de, por uma e de uma vez, separar o poder jurídico do político?
Quando é que se verá o poder jurídico se autonomizar de vez e decidir, também de vez, que deve estar ao serviço do povo e não ao serviço dos políticos?
É que já não se aguenta ver, ler e ouvir falar no “
Angolagate”, nas acusações veladas da justiça francesa, nos “boca-a-boca” de juízes a fontes de informação e nada acontecer?
Como se explica que a justiça francesa faça sair, se bem que discreta e veladamente, informações como as que lemos e ouvimos neste fim-de-semana, e não o vermos feito de forma clara e inequívoca ou nem ouvir os acusados se pronunciarem?
Diz o adágio que quem não se sente, não é filho de boa gente e a época pascal não justifica tudo, muito menos o silêncio!
Como se explica este mutismo tão ensurdecedor?
"
Artigo de opinião publicado na coluna do e citado aqui.

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