06 junho 2007

Portugal, uma análise desapaixonada de João Craveirinha

(foto retirado daqui)
Uma interessante análise de João Craveirinha sobre a miscigenação de Portugal publicado no moçambicano, da Beira, Jornal Autarca, edição nº1308, de 01 Junho 2007, na sua coluna, “Dialogando”.

PORTUGAL – Análise desapaixonada
Pelo menos 10% dos portugueses em Portugal são negros (1 milhão)


(os nomes são nomes e não se pode divagar diluindo)

Não se devia diluir o termo africano que actualmente é mais alargado num conceito pós moderno... mas não para todos em África e menos na Europa onde africano é sinónimo de negro/preto incluindo para o mestiço indo para um conceito ou denominação mais anglo-saxónica-germânica.
Os nomes não mordem não é preciso ter medo deles. São assim as regras do jogo impostas por outros na terminologia – branco e preto – mesmo assente em base anti-científica.
Em Portugal e regiões autónomas, está estimado em cerca de 1 milhão de portugueses (ou um pouco mais) de negros e seus descendentes (mestiços) em Portugal com nacionalidade portuguesa (alguns com dupla)... e sem voz activa. O preconceito fala sempre mais alto contra os mesmos remetendo-se-lhes sempre todos os males e perseguições de que padecem na sociedade como complexos. A sociedade portuguesa evita assim o estudo real do problema para solução, não assumindo as responsabilidades dessas atitudes discriminatórias umas vezes mais abertas, outras mais dissimuladas.
Nunca ninguém fala deles (dos negros/mestiços portugueses)... só falam dos mediáticos luso-moçambicanos Eusébios e dos mais recentes casos como o do nigeriano-português Obikwelo ou de um futebolista ou basquetebolista negros. (Obikwelo sem sangue português) ao contrário de Eusébio de avô paterno português, branco, dos Silva Ferreiras).
Muitos desses portugueses negros/mestiços de pleno direito (será?!) são de origem angolana, são-tomense, cabo-verdiana, guineense, moçambicana e mesmo incluindo timorenses... e as últimas gerações nasceram ou cresceram em Portugal nem têm ideia onde fica a África dos pais e dos avós. A TV encarrega-se de lhes apagar da memória esse facto incutindo-lhes complexos de “vergonha” pela origem dos pais devido às imagens seleccionadas nas TV’s portuguesas de amostra quase exclusiva de miséria em África nos telejornais (e nos media, grosso modo).
The Empire strikes back
(Expressão inglesa o Império contra-ataca para dizer que agora a “viagem dos descobrimentos” é feita em sentido contrário – pelos africanos das ex-colónias “invadindo” as antigas potências coloniais na Europa. Outra vez, o efeito causa e efeito)
E isso se reflecte também em Portugal. É que nas ruas portuguesas ninguém anda com o BI português na testa e a sociedade portuguesa de repente se esqueceu que os (brancos) portugueses (bem ou mal) estiveram séculos em África e com as independências muitos (negros/mestiços) vieram para Portugal à procura de algum sossego após os anos conturbados do pós-independência. Foram fluxos desde 1974/1975. Só de Moçambique foi registada a saída para Portugal de cerca de 70 mil pessoas mestiças/negras na década de 1976 a 1986. Num agregado alargado actual de mais 5 elementos de descendentes daria cerca de 350 mil pessoas só de ascendência moçambicana e todas com a nacionalidade portuguesa. (Contando os falecidos entretanto). Os de Angola e os de Cabo Verde com nacionalidade portuguesa ainda serão de um número maior. Acrescentado os da Guiné e São Tomé e Príncipe o número poderá ultrapassar, actualmente, a cifra de 1 milhão de portugueses de origem negro/mestiça. Não há dados oficiais. Mas fez-se uma estimativa por aproximação com os dados disponíveis.
Há em Portugal não só reformados negros/mestiços portugueses mas em todas áreas da vida profissional e social (até cientistas) menos nas actividades de maior visibilidade (na televisão) e a nível mais sensível de algum "poder" como na política e "business" que nunca lhes deu espaço. A TVi foi pioneira em Portugal com José Mussuaili como locutor dos noticiários televisivos. Mas foi retirado da luz da ribalta pouco depois não por falta de profissionalismo (pelo contrário provado) mas por razões “desconhecidas”. Talvez para muitos ele como pivot “escurecia demasiado” o ecrã de TV. O olhar da maioria do português não aceitaria provavelmente de bom grado. Muito do género: “não sou racista mas…filha minha branca não casa com preto.” Ou ainda: “tenho mulher negra e filho mestiço não sou racista.” Mas ao contrário o mesmo nunca aceitaria: “um negro casado com mulher branca decente”. Pois no orgulho de “macho dominante” lusitano seria intolerável.
Por outro lado, em Portugal, o acesso ao sistema de ensino superior público é também duplamente discriminatório nos aspectos-socioeconómico e racial, aliás iniciado na primária e secundária. Não é por acaso que as cadeias (prisões) portuguesas têm um alto índice de reclusos negro/mestiços. É uma equação de causa e efeito. A severidade na punição muitas vezes é maior para crimes menores consoante a cor da pele mais escura.
É assim a integração portuguesa que fala da Lusofonia (para consumo em África) mas que em Portugal os locais (a maioria) não sabem nem querem saber disso. Nem a nível universitário geral, remetendo a Lusofonia quase sempre para uns “Estudos Africanos”. Para bom entendedor meia palavra basta.
Em relação à presença – ainda silenciosa do negro em Portugal, como escreveu o historiador euro-brasileiro, José Ramos Tinhorão – é pena que essa mais valia em Portugal seja desprezada e desconhecida e não aproveitada. Alguns países europeus já reconhecem essa presença com dignidade e se vê em todo o lado e não somente como casos isolados no desporto ou pela negativa em casos de marginalidade. Em países europeus como a Inglaterra, França (et cetera) existem casos de negros como ministros, secretários de estado e assessores, oficiais militares, chefes da polícia. Até na Suécia há bem pouco tempo tinha uma ministra negra – sueca, Nyamko Ana Sabuni, de origem do Burundi. A Suécia tem ainda um assessor angolano/sueco para o trabalho, num determinado ministério.
Por outro lado países africanos como Angola e Moçambique tiveram e têm ministros brancos de origem portuguesa nos seus quadros. É uma contradição (pela positiva). A equivalência dessa possibilidade em Portugal não existe. É a dolorosa verdade doa a quem doer. Há mais espaço para actividades políticas e empresariais (apesar de tudo) nesses novos países africanos para os brancos africanos que em Portugal para os negros europeus.
Portugal e os portugueses sempre os primeiros (em África) e os últimos (na integração a sério). Fica-se na propaganda. É interessante que até num sistema colonial/“fascistóide” como foi o de Oliveira Salazar houvesse a preocupação mesmo em termos de propaganda cosmética interna e externa, em dar alguma visibilidade a cidadãos negros/mestiços através da participação na vida parlamentar na AR em Lisboa. Eram deputados/representantes das suas colónias de origem quer de Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. (Isto antes do 25 de Abril 1974). Claro para uns é irrelevante mas por outro lado revela que apesar de tudo (chamados fantoches ou não) eram vistos com alguma dignidade pelo regime. E naquele tempo a densidade demográfica de negros/mestiços em Portugal era mínima ao contrário de hoje que em algumas artérias das cidades de Portugal não se pode circular 15 minutos sem se cruzar com um negro/mestiço.
Pelo menos 10% dos portugueses em Portugal são negros (1 milhão)
De uma população em Portugal de cerca de 10 milhões, 10 por cento dessa população é negro/mestiça com nacionalidade portuguesa sem retaguarda geopolítica. Ninguém ainda reparou neles mesmo sendo cerca de 1 milhão pelo menos de negros/mestiços com nacionalidade portuguesa. Isso como se chama? A culpa não será dos visados (negros/mestiços) mas sim do sistema que impede destes terem maior visibilidade sem ser nas selecções de futebol de Portugal ou até nas selecções de atletismo e de basquetebol. (Inclusive na música muitos tem dupla nacionalidade).
É assim a vida neste “nosso” Portugal não assim tão pequenininho pois podia ser muito melhor se houvesse menos preconceito!

8 comentários:

altohama disse...

O Notícias Lusófonas faz manchete com este texto, citando quem deve ser citado.

Parabéns ao João Craveirinha e também a ti.

Kandandu

Anónimo disse...

Obrigada por me teres dado hipótese de ler o texto - abraço, IO.

Anónimo disse...

parabens pelo artigo, só gostaria de saber com que base cientifica se afirma da existência de 1 milhão de portugueses de origem africana?
Seria possivel dizerem a fonte desses números? visto que em portugal não há dados oficiais nem oficiosos em relação a etnias

cumprimentos

Gil

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

José Ramos Tinhorão, Historiador e Musicólogo:

As obras do grande investigador brasileiro, contêm aspectos inéditos da História de Portugal e do Brasil sobre a escravatura e o preconceito contra o negro e a sua contribuição silenciosa ainda hoje tabu em Portugal.

Anexadas fontes obrigatórias (e links com sinopses) para quem tem espírito aberto à pesquisa sem preconceitos.

Em Portugal obras publicadas pela editorial Caminho:

Os Negros em Portugal - Uma presença silenciosa
(1.ª edição, 1997)
«Universitária», n.º 31

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História Social da Música Popular Brasileira
«Caminho da Música», n.º 6
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Fado. Dança do Brasil, Cantar de Lisboa
«Caminho da Música», n.º 9
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As Origens da Canção Urbana
«Caminho da Música», n.º 10
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Domingos Caldas Barbosa. O Poeta da Viola, da Modinha e do Lundu (1740-1800)
(1.ª edição, 2004)
«Caminho Biografias», n.º 4

http://www.editorial-caminho.pt/cache/html/show_autor__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D32226__q236__q30__q41__q5.htm

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Várias Obras fruto de grande pesquisa no Brasil e Portugal

http://www.submarino.com.br/books_more.asp? Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ArtistId=64599&Type=1
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Rasga: uma Dança Negro-Portuguesa, O JOSE RAMOS TINHORAO

http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=1497259

Dando continuidade a uma pesquisa iniciada em 1980 sobre a presença negra em Portugal, já registrada no livro Os negros em Portugal: uma presença silenciosa (1988), José Ramos Tinhorão descobriu uma modalidade de canto e dança completamente desconhecida dos historiadores e estudiosos da música: o rasga. Caracterizado por um ruído peculiar, produzido pelo atrito entre uma haste de cana e um cilindro de madeira denteado - versão rudimentar do que conhecemos hoje como ganzá ou reco-reco -, o rasga teria surgido entre os negros e mulatos de Lisboa no início do século XIX.
Unindo o faro do pesquisador à paixão do musicólogo, Tinhorão localizou os indícios que comprovaram a existência do gênero para recompor, em linhas gerais, sua trajetória ao longo dos tempos. Além disso, analisa-o também em seus aspectos históricos e sociológicos. Com isso, acrescentou mais uma peça ao quebra-cabeça que constitui a historiografia da música popular.
O livro vem acompanhado de um CD que reúne algumas das músicas encontradas ao longo da investigação. No conjunto, trata-se de uma valiosa contribuição para a bibliografia da música popular e para o estudo das trocas interétnicas entre Europa, África e América.
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Domingos Caldas Barbosa JOSE RAMOS TINHORAO
http://www.submarino.com.br/books_productdetails.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&ProdId=246936&franq=134562

Sinopse: Mulato nascido no Rio de Janeiro em 1740, filho de um funcionário real português com uma escrava de Angola, Domingos Caldas Barbosa é um símbolo da miscigenada cultura de nosso país. Formado no colégio dos jesuítas do antigo Morro do Castelo... Leia mais.
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Anónimo disse...

Ora viva a todos!
Interessante esta conclusão apresentada com toda a pompa e circunstância.
No entanto fica-me uma dúvida, aliás legitima. Como enquadrar os recentes estudos genéticos, realizados em Portugal que mostram que a presença de marcadores genéticos dos povos subsarianos se limita a uns 3 ou 4% em toda a população portuguesa, e apenas de origem feminina.
Como é possivel, perante dados científicos deste tipo, poder afirmar-se que 10% dos portugueses são mestiços???

Cumprimentos.

P.S.: Por favoe façam o favor de consultcar os seguintes sites.
http://www.scs.uiuc.edu/~mcdonald/WorldHaplogroupsMaps.pdf
http://vetinari.sitesled.com/euroaims.pdf
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15254257
http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?&pubmedid=11078479
http://hpgl.stanford.edu/publications/EJHG_2004_v12_p855.pdf

Anónimo disse...

A escravatura do século XV ao século XIX miscigenou as populações portuguesas no interior e litoral português, de norte a sul.

Na realidade a maioria da população portuguesa em Portugal e ilhas é mestiça recente. Processo reforçado no século XIX-XX...Portugal foi o último país europeu a abolir oficialmente a escravatura em 25 abril 1876. O Brasil em 18 Maio 1888. (Herança portuguesa).

A Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 2007 fez um estudo genético demográfico, em que se revelou que em cada 10 mulheres portuguesa nativas 7 tinham avoengas recentes de tipo dito afro-negroide.

Por outro lado é “natural” que devido ao complexo colonial português de superioridade em relação aos outros tropicais conquistados, e de inferioridade em relação aos anglo-germânicos surja alguma reação de repúdio à miscigenação. No entanto é baseado em fait divers de quem nasceu imbuído de memórias colonias e euro-centristas de preconceito em que preto é trevas negativa e branco luz positiva.

Reivindicar o lado celta português, ninguém se opõem (loiros e olhos verdes tudo bem). Mas dizer que o Marquês de Pombal tinha bisavó escrava africana de Angola e bisavô sefardim (cristão-novo) ninguém gosta. É a voz do preconceito em Portugal que fala mais alto.

E não é pelos traços fenótipos que se analisa heranças genéticas. Grosso modo a população portuguesa é mestiça de origem directa africana - negróide em Portugal que poderá rondar actualmente os 20%. Após o 25 abril 1974 esse número se multiplicaria.

Não é por acaso que a glândula melanina está muito ativada no português nativo europeu. È mais pelos traços do rosto, da tez, textura do cabelo que muito anda escondido.


Na realidade, num âmbito mais largo, toda a humanidade é produto de uma globalizada mestiçagem de genes num processo de centenas de milhares de anos provenientes do Rift Valley da Etiópia – berço da humanidade. A única espécie humana provém de África até dado científico em contrário.

No entanto, cada vez mais prova-se com as novas tecnologias genéticas que viemos todos de África.

Anónimo disse...
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