EPÍSTOLA PETROLÍFERA: A PONTE*
Reino Petrolífero, algures no Golfo da Guiné.
A ponte projectava magnitude louvável. Debaixo, uma multidão de pilares humanos olhava com altitude. No tabuleiro em cima, um jovem mimicava, distendia continuamente as mãos. Chegavam, juntavam-se mais olhares. Davam-se alvitres e palpites. Explicar porquê, ninguém conseguia, sabia. Alguém mais palpiteiro azedava que ele era maluco, drogado. Um alvitreiro tinha a certeza que era um actor, que filmava uma cena para a telenovela. Ele desacelerou os acenos, elevou as mãos ao céu, e num sacerdócio pregou a vaidade da verdade:
- Fui um grande lutador, sempre até ao último momento. Não engulo esta vida de miséria, de fome. Não consigo estudar, não há emprego. Os Fulanos desvivem-nos, cortam-nos os anseios, as asas… ó singular desesperança! O barqueiro Caronte está à minha espera. Não terei ninguém para me colocar as moedas nos olhos.
Depois esticou bem a cabeça e os braços, elevou-os, falou para as alturas.
- Ó vós que viveis nos vossos palácios, cercados pelos dias e noites, vigiados por milhares de guerreiros, que vos protegem dos medos. Parto para Flégeton… lá nos reuniremos… e rolaremos nas suas ondas de fogo.
A quantia humana parecia um comício, abelhas numa colmeia. Os comentadores do quotidiano desfraldam notícias. Esta função é-lhes sumariamente atribuída. Tem o direito de não se calarem.
- Ih, ih, essa telenovela é vinculada demais, não vou deixar que arrefeça.
- Isso é propaganda Carnaval, eleitoral dos Fulanos.
- O nosso eterno Fulano não precisa disso, já ganhou as eleições.
O jovem alterou a postura, silenciou para a multidão. Afagou com as mãos a dizer adeus. Depois colou-as no coração, e a pique foi pela aceleração da gravidade afundar-se no abismo eterno, a salvação dos suicidas. No solo um pequeno regato de sangue vermelhava a terra, que colidiu, juntou-se ao lixo, ao juramento dos imortais que prometeram que seríamos livres. Que jamais faltariam jasmins.
A colecção humana desagregou-se. Alguns intrigados curiosos não arredaram teimosos. Ninguém atentava para actos suicidas. Andavam na moda.
- Que odisseia Mentor, que imagens espelhadas tão desiguais.
- Verás muito mais. Olha, a morgue principal está cheia de cadáveres desconhecidos. Já apregoam que Caronte, o barqueiro dos Infernos, está midas. Os falsos médicos que os Fulanos contrataram, dão grande apoio a Caronte.
*Uma Crónica de Gil Gonçalves, em Luanda
Reino Petrolífero, algures no Golfo da Guiné.
A ponte projectava magnitude louvável. Debaixo, uma multidão de pilares humanos olhava com altitude. No tabuleiro em cima, um jovem mimicava, distendia continuamente as mãos. Chegavam, juntavam-se mais olhares. Davam-se alvitres e palpites. Explicar porquê, ninguém conseguia, sabia. Alguém mais palpiteiro azedava que ele era maluco, drogado. Um alvitreiro tinha a certeza que era um actor, que filmava uma cena para a telenovela. Ele desacelerou os acenos, elevou as mãos ao céu, e num sacerdócio pregou a vaidade da verdade:
- Fui um grande lutador, sempre até ao último momento. Não engulo esta vida de miséria, de fome. Não consigo estudar, não há emprego. Os Fulanos desvivem-nos, cortam-nos os anseios, as asas… ó singular desesperança! O barqueiro Caronte está à minha espera. Não terei ninguém para me colocar as moedas nos olhos.
Depois esticou bem a cabeça e os braços, elevou-os, falou para as alturas.
- Ó vós que viveis nos vossos palácios, cercados pelos dias e noites, vigiados por milhares de guerreiros, que vos protegem dos medos. Parto para Flégeton… lá nos reuniremos… e rolaremos nas suas ondas de fogo.
A quantia humana parecia um comício, abelhas numa colmeia. Os comentadores do quotidiano desfraldam notícias. Esta função é-lhes sumariamente atribuída. Tem o direito de não se calarem.
- Ih, ih, essa telenovela é vinculada demais, não vou deixar que arrefeça.
- Isso é propaganda Carnaval, eleitoral dos Fulanos.
- O nosso eterno Fulano não precisa disso, já ganhou as eleições.
O jovem alterou a postura, silenciou para a multidão. Afagou com as mãos a dizer adeus. Depois colou-as no coração, e a pique foi pela aceleração da gravidade afundar-se no abismo eterno, a salvação dos suicidas. No solo um pequeno regato de sangue vermelhava a terra, que colidiu, juntou-se ao lixo, ao juramento dos imortais que prometeram que seríamos livres. Que jamais faltariam jasmins.
A colecção humana desagregou-se. Alguns intrigados curiosos não arredaram teimosos. Ninguém atentava para actos suicidas. Andavam na moda.
- Que odisseia Mentor, que imagens espelhadas tão desiguais.
- Verás muito mais. Olha, a morgue principal está cheia de cadáveres desconhecidos. Já apregoam que Caronte, o barqueiro dos Infernos, está midas. Os falsos médicos que os Fulanos contrataram, dão grande apoio a Caronte.
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