30 abril 2009

Madagáscar poderá vai virar grande vespeiro

Como se já não bastasse que a pressão de um “jovem turco” que conseguiu que o exército se lhe juntasse para, e pela primeira vez na vida política do País que isto aconteceu, sublevar-se contra um Presidente eleito democraticamente;

Como se não fosse surpreendente que o “Tribunal Constitucional” acabasse por aceitar, embora por maioria, conceder o poder a um indivíduo que, constitucionalmente, ainda não tem idade para ser Presidente;

Como se tudo fosse pouco, os militares decidiram deter os três membros do Tribunal que contestavam a entrega do poder a Andry Rajoelina;

Apesar da vida económica e social em Madagáscar mostrar que está num claro e quase irreversível ponto de ruptura onde se associa o facto de nem a União Africana e nem a SADC mostrarem ter qualquer efeito dissuasor junto dos Estados-membros onde situações análogas persistem;

Face a todas estas situações parece que uma parte da população quer fazer reverter a situação social e política perigosa onde caiu o País.

Há umas semanas que apoiantes do presidente Marc Ravalomanana têm aumentado a sua contestação ao “TGV” Rajoelina, ao mesmo tempo que sectores militares fiéis ao novo Presidente, continuam a apertar o cerco aos opositores à nova Administração enquanto a violência na capital, Antananarivo, aumenta aliado ao facto de forças militarizadas saquearem escritórios à procura, pensa-se, de dinheiro o que mostra o quanto caiu a frágil economia malgache.

Face a esta situação, um grupo de personalidades próximas de Ravalomanana decidiu
formar um novo Governo o que irá criar uma maior confusão até porque, se a comunidade internacional não reconheceu a autoridade de Rajoelina terá de reconhecer o Governo pró-Ravalomanana.

Uma situação preocupante no cone austral de África, até porque Madagáscar, apesar de ser uma ilha, ou talvez por isso mesmo, é um mosaico rácio-cultural muito diversificado com calaras influências exógenas e fortes.

Se os dois Estados da região que se perfilam com potências (África do Sul e Angola), com particular destaque para o próximo presidente da África do Sul, e por razões diferentes não tiverem uma intervenção mais clara e objectiva na República Malgache, este país, mais ainda que Zimbabué, poderá se tornar num perigoso vespeiro para a região.

Recordemos outras ilhas na zona e como elas vão evidenciando uma preocupante alteração social e política com ciclos de alguma certa instabilidade…

1 comentário:

Anónimo disse...

MADAGASCAR - GLOBALIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS.

Em Madagáscar está-se na presença duma revolta, ou duma revolução? A actual situação de insurreição deriva de alguma divisão na elite do país, ou tem fundamentos nos interesses contraditórios entre as classes e em soberanos interesses nacionais? Se eles se manifestam desta maneira, quais as razões que os assistem dum lado e do outro da “barricada”? Porque existe “barricada”? Está-se na presença ou não dum novo factor de ingerência sobre as nações mais fragilizadas do planeta?

Perante a avalanche de questões que estão sobre a mesa, é provavelmente prematura a formulação de conclusões mais firmes sobre a situação sócio-política, económica e cultural (sob o ponto de vista antropológico do termo) em Madagáscar, pois dos dois lados há razões que são evocadas e há indícios de suportes distintos em termos de mobilização popular e apoios externos:

Do lado do Presidente “deposto” Marc Ravalomanana, há o argumento de ter sido eleito democraticamente, constituindo a sua saída compulsiva do governo um acto contra a própria democracia.

Ravalomanana é indicado como um elemento identificado com a elite do país e o seu exercício indicia esse “alinhamento”.

É numa base legalista que a União Africana, os países que compõem a SADC, a União Europeia e os Estados Unidos, estão a reagir aos acontecimentos.

Do lado do jovem Andry Rajoelina, ex Presidente da Câmara da capital Antanarivo, está a revolta daqueles que estão contra a pobreza avassaladora que marca a vida no país e, entre outras reivindicações, o esvaziar do território malgache mediante um acordo com a multinacional sul coreana DAEWOO, que visa entregar cerca de metade das terras aráveis a interesses externos.

Nenhum estado se pronunciou acerca desta questão, todavia está-se perante um caso que pode conferir legitimidade à revolta, até por que muitas sensibilidades internacionais advogam soluções alternativas que aqueles que detêm o poder real no quadro do sistema capitalista teimam em não encontrar.

A 12 de Fevereiro do corrente ano, no editorial do “Le Monde Diplomatique”, o seu director, Ignatio Ramonet, lançava o alerta sobre o “neocolonialismo agrário” e em relação a Madagáscar informava:

…“Por seu lado, a Coreia do Sul controla no estrangeiro uma superfície superior à totalidade das suas próprias terras férteis… Em Novembro de 2008, o grupo Daewoo Logistics estabeleceu um acordo com o governo de Marc Ravalomanana, presidente de Madagáscar, para arrendar 1,3 milhões de hectares, ou seja, metade das terras cultiváveis dessa grande ilha…

O governo sul-coreano comprou também 21 000 hectares para a criação de gado na Argentina, país em que 10 por cento do território (uns 270 000 quilómetros quadrados) se encontra nas mãos de investidores estrangeiros que beneficiaram da atitude dos diferentes governos para arrendar milhões de hectares e recursos não renováveis, sem restrições e a preços módicos”.

Esta é pois uma questão recente, que responde em parte ao aumento do preço dos alimentos à escala global e aos constrangimentos que isso provoca a países mais ricos com problemas como uma forte densidade populacional para uma relativamente escassa superfície arável, ou para países que tendo muita liquidez financeira, não possuem terras aráveis suficientes (normalmente os dois factores interligam-se), o que influi na iniciativa de compra de terrenos em países pobres e cujas potencialidades não foram suficientemente desenvolvidas.

A situação de Madagáscar não terá portanto precedentes em África, mas pode-se tornar expoente se tivermos em conta os elevados índices de pobreza de quase todos os países do continente evidenciam e a tentação para, fazendo como Ravolamanana em Madagáscar, quem está à frente dos estados alienar uma parte das terras aráveis a fim de “rentabilizá-las”, o que de acordo com o “modelo” de economia e de sociedade que prevalece, pode ser feito com o rótulo de interesse nacional quando no entanto beneficia um reduzido número de entidades da elite nacional.

A situação em Madagáscar encarada desse modo, é por si um “aviso” às democracias africanas, quase todas elas susceptíveis de manipulação e sujeitas às clivagens de classe em função do processo capitalista em curso (o sistema capitalista é apanágio das “democracias representativas” de “inspiração Ocidental”).

As elites nacionais africanas interessadas nos agro-negócios estão tentadas a “emparceirar-se” com interesses externos, sempre que possível com interesses de multinacionais, a fim de garantir a sua própria sustentabilidade económica e financeira, procurando associar isso ao exercício do poder e tirando partido dele enquanto manancial de propaganda e de “exequibilidade institucional dos projectos”.

Em países onde a densidade populacional é baixa e onde as potencialidades são imensas, muito provavelmente esse tipo de comportamento poderá ser “absorvido” sem grandes preocupações (é o caso de Angola), mas em países onde a densidade populacional é maior e as potencialidades em irrigação e terras aráveis são mais rarefeitas, esse tipo de iniciativas podem acarretar situações de tensão, de conflito e, neste caso, de sublevação…

No caso de Madagáscar, uma enorme ilha com 587.040 km2, com cerca de 20.653.556 habitantes (uma densidade demográfica de 35,9 habitantes /km2), em que não há abundância de recursos hídricos nem de terras aráveis, onde existem índices elevados de subdesenvolvimento e pobreza, garantir um acordo como o que foi feito pelo estado com a Daweoo Logistics, é um manancial enorme para a corrente situação.

Mais uma vez os dirigentes africanos, em função do interesse das elites que os mantêm no poder, preferem o argumento legalista e parcial.

Até à presente data não tenho conhecimento de nenhum dirigente que tivesse questionado o acordo do governo de Marc Ravalomanana com a Daweoo Logistics, um acordo que em princípio dana o espaço territorial duma nação, esvaziando o conteúdo de sua própria soberania.

Por que razão em pé de igualdade não terão sido advertidos os dois lados da “barricada”, de forma a dar-se oportunidade a se encontrarem melhores soluções, soluções mais justas e capazes de garantir os interesses dos povos (povo da Coreia incluído)?

Não será que um acordo dessa natureza, em relação a Madagáscar, é por si anti-constitucional? Não será que um poder, mesmo que democraticamente eleito, não terá de respeitar os direitos relativos ao uso de seu próprio território, quando o território é um elemento-chave do conceito substantivo de nação?

Que critérios adoptarão a 30 de Março os países da SADC em relação ao caso de Madagáscar, quando ainda está na mesa o caso do Zimbabwe?

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