05 junho 2008

Os poetas são como os gatos

Mais uma interessante análise de João Craveirinha sobre a problemática racismo versus xenofobismo, ainda não publicada na imprensa.

"Notas adicionais sobre XENON:

Xenofobia não tem cor mas o racismo tem cor. Não confundir os dois - pois acabam por se diluir se assim for feito.

Ambos são violentos mas o racismo é duplamente violento. No imaginário de séculos e na acção colonizadora do Eu do outro, considerado inferior em África - (NESTE CASO O DENONIMADO NEGRO / BLACK / NOIR / SCHWARZE / T'CHORNI etc etera).

A xenofobia é anti-estrangeiro mesmo sendo da mesma “cor” epidérmica.
O racismo tem cor diferente e é de cima para baixo vindo da superioridade europeia (leia-se do que se diz branco).

Não confundir dos que reagem (mais morenos ou negros ou castanhos) ao se sentirem espezinhados há séculos em tudo que fosse a sua cultura a começar pela língua que passou a ser desvalorizada para dialecto. Indicando que não sofrera evolução como raça humana ao longo de milhares de anos.
(Paradoxalmente apesar dessa raça humana global ter saído de África, Etiópia) numa evolução de cerca de 4 milhões de anos (Lucy)...

... e da transição do dito negro (negróide) para o dito branco (europóide ou caucasiano) numa mudança genética (mimetismo) de cerca de 20 mil anos de África para a Europa via Índia e pelo Cáucaso (entre o mar Negro e o Cáspio – o maior mar interior do mundo. Fronteira do Irão e da antiga União Soviética).

Em 20 mil anos um negro (sem mistura e dependendo do clima) fica branco e muito menos um branco fica negro com a mestiçagem em sentido inverso. Bastam 4 gerações. Avô, Pai, Neto, Bisneto.

Jean-Paul Sartre, dizia a Negritude ser uma forma de “racismo anti-racismo” e a única encontrada pelo negro para se afirmar contra a negação de seu Eu pelo branco.

Foi assim que surgiu a corrente literária da Negritude que nada tem a ver com um pseudo-racismo negro mas sim com o recuperar da dignidade perdida de ser humano, "assumindo" o intelectual negro (ou mestiço) os epítetos derrogatórios (negro, cafre, narro et cetera) de sua condição imposta de infra-humano, numa assumpção irónica dessa negação para desfazer o que lhe impõem de cima para baixo fazendo-lhe crer que era inferior ao que ele recusa:

NEGRO :
SER OU NÃO SER
NÃO É A QUESTÃO!
(é tudo imposição)

Queres que eu seja negro
da cor da noite das trevas?
Então sou!
E depois não digas que a mulher negra não é bela.
É tão bela como pode ser a tua mulher
que dizes ser, da cor da luz branca,
onde vive o divino!
Sou negro e depois?

Ah, não!!

Agora sou racista por aceitar com um sorriso
o que me impões e aceito,
e te devolvo?
Só quero igualdade.
Nada mais!
(JOÃO Craveirinha 02.06.2008)

Na negritude, o negro intelectual ao reagir não era para ser superior, mas igual ao branco que não queria essa igualdade e em muitos casos mantendo-se na actualidade, mesmo quando se afirmam como não racistas contra o negro. Alguma reacção residual surgirá, invertendo os papéis. Analise-se o caso da xenofobia inter-negro na África do Sul para alegria de muitos desse tipo padrão para dizer que o negro é pior que o branco.
Em Moçambique, na comunicação social, tornou-se norma com ajuda de alguns negros à deriva de si mesmos. E na comunicação social em Portugal ainda pior.
Des – contextualiza-se o fenómeno esquecendo que a essência da desumanidade não tem cor. É intrinsecamente genética, e nisso a Europa é a última a acusar de ânimo leve o africano. Foram os senhores e mestres do africano durante muito tempo. E se calhar ainda continuam.

“DEMOCRACIA, IGUALDADE E LIBERDADE:
“Porque é que os povos democráticos mostram um amor mais ardente e mais durável pela igualdade que pela liberdade?” Alexis de Tocqueville (1805-1859, França).
In Teorias Sociológicas p. 259.

É isso aí - no fundo o negro nem democracia queria porque não sabia o que era. Uma coisa importada e deturpada dos antigos gregos que são europeus. Daí a desconfiança.


Pois o colonialismo da Globalização, veio da Europa. O fascismo veio da Europa. O marxismo veio da Europa. A África pós-colonial tem sido (como no passado) um laboratório de experiências de tudo que já está a ficar ultrapassado na Europa e no mundo ocidental.

Essas modernidades vêm da Europa (assim como os dinheiros da corrupção para África). No fundo mesmo, o negro queria (quer) é ser tratado como igual. Lá dizia o Tocqueville e era europeu.

As coisas positivas deixam de ter cor e nação. Passam a ser universais. O racismo e a xenofobia só assim serão superados.

Saber peneirar na m’benga o capim da mapira.

Exempli gratia:
ADEUS À HORA DA PARTIDA

Agostinho Neto
(Poeta-mor de Angola)

“Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
(…)
Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico”
(...)

Agostinho Neto (1974). Sagrada Esperança. Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa.

Este poema da Negritude é um manifesto contra o racismo colonial português…ao mesmo tempo e duplamente, associando e dissociando “o homem rico” com a cor da pele.

Uma premunição à Angola independente. Em que o homem rico deixou de ter cor. Pois passou a ser da cor do dinheiro.

OS POETAS SÃO COMO OS GATOS. VÊM EM MUITAS DIMENSÕES: ESPREITAM O PASSADO; VIVEM NO PRESENTE; E PROJECTAM-SE NO FUTURO QUE PARA ELES JÁ É PRESENTE.

Em baixo um manifesto contra a xenofobia neste poema do tio paterno do autor destas notas de reflexão:

“TERRA DE CANAÃ

Não, piloto israelita.
Inútil procurares nos incêndios de Beirute
e nos inocentes corpos mutilados pelos estilhaços ardentes
as belas palavras do Cântico dos Cânticos. (…)

Poeta-mor José Craveirinha (10.08.1982 de regresso do Líbano)

in F. Mendonça, N. Saúte (1983). Antologia da Nova Poesia Moçambicana (p.211).
E na hora da partida destas notas de reflexão, saboreiem a poesia de Agostinho
Neto na voz e na autêntica Música de Angola por Rui Mingas, ao alcance de um click:
http://www.esnips.com/doc/93bbecc8-d3e1-48f7-a02e-6a7c26d46894/Adeus-à-hora-da-partida (09.05.2008)
.
©João Craveirinha"

5 comentários:

goiaba disse...

Obrigada pelo texto. Às vezes é preciso ajuda para pensar claro e as palavras de Craveirinha são certeiras.
Mas ... de o racismo se entende só do branco para o negro o inverso (e não falo de Negritude) como se chama?

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Muito interessante o texto... ja nem digo bem escrito pois outra coisa nao seria de esperar. Queria pedir-lhe autorizacao para publicar no meu cores&palavras, fazendo mencao ao seu blog, bem entendido.
Kandandu
Namibiano

Anónimo disse...

Os poetas s�o como os gatos - por ter sa�do no blog Pululu - amavelmente reencaminhado pelo ECA e contrariamente � minha norma de n�o intervir em coment�rios - negativos ou positivos � ao que escrevo, dou alguma forma de contribui�o inspirado naquilo que Carl Sagan disse um dia que uma pergunta podia ser um grito no escuro que merecia alguma resposta.

E acrescento; resposta positiva com alguma luz e neste caso � d�vida surgida com sabor amargo contr�ria � do�ura da tropical p�ra goiaba de nossa saudade de crian�a, tirando as inc�modas sementes nos nossos dentes �sem siso�.

Analisar � sempre um parto muito doloroso � com todos os tipos de f�rceps cir�rgicos na abertura mental contra os dados adquiridos do main stream a que fomos submetidos � vulgo corrente geral da opini�o p�blica. Pois nesse esfor�o anal�tico tem se colocar de lado nossas emo�es e ideologias pessoais. Caso contr�rio melhor nem tentar pensar... (� preciso um distanciamento desses problemas pessoais: annulatione - anularmo-nos de emo�o pessoal ou alienarmo-nos, n�o no sentido moderno (de Hegel e Marx), mas noutro sentido do latim cl�ssico de alienatio � alhear, distanciamento emocional para an�lise imparcial).

Utilizando uma linguagem caus�dica sem ser r�bula, dir�amos apropriadamente em latim analisar cum grano salis sopesando os pr�s e os contras da presuntiva disserta�o.

Se o racismo � vertical � de cima para baixo, do (ex) colonizador para o (ex) colonizado, ent�o a reac�o de baixo para cima (do negro contra o branco, se n�o � racismo ser� o qu�?)

A� est� o bus�lis da quest�o (ou da q�est�o (cu�st�o) com trema, me d� igual).

Essa � uma quest�o que nos tem confundido sempre pelos contornos enviesados e dicot�micos.
Ora se bem sabemos as an�lises acad�micas se apoiam em conceitos e muitas vezes fruto do pr� � conceito. Por tal, muitos conceitos quer sociol�gicos quer psicol�gicos e mesmo lingu�sticos, poder�o se encontrar incompletos pela tabula rasa a que sujeitam em par�metros de anverso e verso a esses conceitos incluindo silogismos da filosofia ou da escol�stica secularizada.

Exempli gratia:- Se verticalmente h� racismo branco de cima para baixo, haver� racismo negro de baixo para cima. Parece F�sica elementar.

Ora nem sempre os contextos s�o uma esp�cie de equil�brios dos contr�rios mas polaridades em que uma submete a outra e a submetida reage dentro do mesmo tom - ainda que violento - pode-se confundir com a causa ofensiva inicial. Uma esp�cie de efeito bamerangue de retorno mas na defensiva contra quem atirou a primeira pedra. Pode-se n�o concordar mas de facto o efeito � reac�o psico-sociol�gico � fruto de um ressentimento concentrado que se esbate quando desaparece a causa.

Houve casos na Hist�ria recente das revoltas negras, contra os massacres brancos iniciais em Angola (1960 em diante), em que se mobilizou contra o branco numa declarada demagogia de certos l�deres negros que conviviam com brancos com os quais muitas vezes se tornavam dispon�veis a �propinas�. E pior, pois havia brancos (mesmo portugueses) que apoiavam esse determinado movimento.

Se fosse �racismo negro� linear de baixo para cima, os negros que se encontravam ao lado dessas v�timas brancas teriam sido poupados � o que n�o foram.

Sabe-se que em pol�tica h� os que tentam ser deuses e escrever direito em linhas tortas �, mas como errar � humano s� se escreve torto em linhas tortas agravando a solu�o do problema.

A tentativa de resposta poder� n�o ser p�ra goiaba mas sim, mais para a toranja amarga no texto e subtexto deste paisano do mundo, Jo�o Craveirinha, que impl�citamente � d�vida suscitada (en hora buena) responde na refer�ncia � raiz da Negritude que do ressentimento popular do negro analfabeto passou para as artes e letras do negro (e afim) literato e precisamente dentro do �mbito da reac�o � causa como efeito da verticalidade desse racismo ideol�gico da cor da pele mais clara perto da Luz branca do Deus de Abra�o, de Israel, da Cristandade e do Isl�o na dicotomia de uma pele mais escura perto do dem�nio das trevas � conceito constru�do (paradoxalmente antes do �pr� � conceito�) para justificar a escravatura (holocausto negro) e o colonialismo e disfar�ado no p�s-colonialismo da globaliza�o como ainda profil�ctico rumo a uma evolu�o civilizacional ocidental crist� romana e calvinista economicista do lucro.

A reac�o do negro ao preconceito e discrimina�o impostas pelo branco europeu (ou americano) � uma reac�o que pode ser interpretada "como uma forma de �racismo anti-racismo� e a �nica encontrada pelo negro para se afirmar contra a nega�o de seu Eu pelo branco".

Ali�s � esse o sentido que se quis dar � an�lise (intencionalmente fria) de Jo�o Craveirinha sem fulanizar (personalizar a sua experi�ncia) o que emocionalmente inviabilizaria o texto. Isto em experi�ncias pessoais em que foi alvo de fobias quer de um lado quer de outro. No entanto, sabendo discernir as ra�zes do problema e reagindo em conformidade, distanciando-se de seu Eu (Ich � ego em alem�o).

Chamar de branco n�o � insulto, mas chamar de preto costuma s�-lo, mesmo disfar�adamente por conotar com inferioridade. No fundo � um pouco como o cientista social australiano, Bob Connell (1944), nos remete para os seus estudos sobre Gender & Power (1987) no cap�tulo sobre a Hegemonia da Masculinidade (Hegemonic Masculinity) enfatizando que todo o pressuposto hegem�nico tem a ver com o poder assumindo uma forma dominante (masculina) de cultura que inclui aspectos de submiss�o humilhante no masculino e no feminino � neste caso � �bvio a que nos referimos.

Bob Connell � um Professor (PhD) australiano de Sociologia, Psicologia e Hist�ria.

N.B: O autor do texto ainda que n�o concordando, utiliza os conceitos de branco e negro para simplificar ainda que redutora e reaccion�ria dos termos por ser anti-cient�fica. JC

Anónimo disse...

Gostaria de obter os emails do poeta Namibiano Ferreira e da Goiaba madura para uma correspondencia directa e didactica quando se proporcionar, mas no por esta via publica.

O ECA do pululu tem o meu email y por tal lhe pezo y que lhes poderah facultar caso queiram conceder esse privilegio do "direct mail" a este paisano do mundo que se chama Joao Craveirinha e que finge que eh escriba e pintor em momentos de alguma - alucinazione - consciente.

Grato pelas - inquietudes existenciales manifestadas no responso a meu texto - que obrigan pela positiva a manter a glandula pineal em funcionamento, no corocoto da nossa cabeza.

(Uf� cansativo escrever sem acentuazione y cedillas. Mas gratificante pois nos remete vagamente au proto-portugues du galego y du latim ordinario da soldadesca romana por el entremezes del castellano y du provenzal entremtz)�

...y arriba el acordo desorthographico de origem dus dialectos hellenikos adoptado pelo latim dus romanos sem cultura na essencia, antes de Publius Vergilius Maro com a Eneida, Eneias y el penates tradizional, inventando a historia da grandeza de Roma a partir de Troja grega (hoje Turquia) somente para agradar a Octavius e subir na vida�ehehheeheh.

Vos deixo (suponho) com um adeus ateh breve:
Bixila, ndaieh
(presumo que seja kiMbundo antigo de Luanda a Malange compilado pelo padre Ant�nio S. Maia em 1964.

E jah agorinha o meu moussambicano,
Kani Mambo

JC

Anónimo disse...
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