Mais uma interessante análise de João Craveirinha desta feita sobre algum certo "anti-português" de uma certa sociedade brasileira que o mesmo tem verificado durante a sua estadia em Terras de Vera Cruz.
Dialogando por João Craveirinha
(escrito em P.M. - português de Moçambique)
Crónicas dos (27) Brasís – I (série)
Breves incursões diacrónicas (passado ao presente).
Subsídios para compreender o Brasil e os brasileiros.
A origem do espírito brasileiro “anti-português”
“E quem nos fez assim (antes de tudo quanto tem de particular a nossa vida) foi a própria Europa. “ (in Pombo, Rocha (1925). História do Brasil, pp.279).
Grosso modo, até que ponto se poderá inferir que no Brasil possa existir um sentimento de repúdio ou desprezo a tudo que se relacione com Portugal, incluindo a África onde se fala português? Até que ponto está entranhado no imaginário colectivo brasileiro contemporâneo esse sentimento?
Essa verificação ad hoc poderá ser consubstanciada in loco no Brasil, sobretudo entre as camadas urbanizadas e quanto mais ditas eruditas, se acentuaria esse fenómeno. Obviamente haverá sempre excepções à regra. Mas no fundo ou na génese do tema tratar-se-ia de ressentimentos e recalcamentos em relação à antiga metrópole colonial paulatinamente (re)construídos a partir do século XVII (1600/1699) e teríamos de analisar... “até que ponto esta aversão foi alimentada pelos próprios intelectuais brasileiros (incluído Machado) que, no empenho de se distanciarem da metrópole (colonial portuguesa) viraram críticos azedos de tudo o que acontecia na Península (Ibérica) e renegaram da origem, tentando ganhar uma identidade própria. Não sei qual teria sido a atitude dos brasileiros se D. João VI (rei de Portugal, início séc. XIX) tivesse sido derrotado por Napoleão. Será que teriam gostado de serem cidadãos franceses?”...(depoimento de uma professora latino-americana sobre este tema).
Essa aversão vem ressurgindo em força no novo Brasil pretendente a um lugar entre as super-potências mundiais (?!). A confirmar-se (esse espírito brasileiro) inferir-se-ia que esse sentimento brasileiro “anti-português” se encontra parado no espaço e tempo. Não teria havido o necessário exorcismo dos fantasmas diacrónicos do Brasil desde 7 de Setembro de 1822 (187 anos de independência passados, em 2009).
Por outro lado, as tradicionais piadas (chistes) de mau-gosto no Brasil inferiorizando as capacidades mentais dos portugueses reflectem uma forma de complexo das avoengas lusitanas nos genes desse brasileiro remetendo para uma espécie de complexo colonial a necessitar de esclarecimento lúcido ou de uma catarsis. (Actualmente há um processo contrário em Portugal de piadas para inferiorizarem brasileiros que chegam à Europa quer como emigrantes quer como turistas - é o reverso da medalha da piada do “matuto”- simplório. Este processo inverso teve início após a entrada de Portugal na União Europeia em 1986. É de se dizer “tal pai, tal filho”).
Rocha Pombo Uma possível análise desse fenómeno brasileiro
Para tal socorremo-nos do ilustre historiador brasileiro, José Francisco da Rocha Pombo, mais conhecido por Rocha Pombo (n. Paraná, 4 de Dezembro de 1857, f. Rio de Janeiro em 26 de Junho de 1933). Ora nas páginas do seu livro de História do Brasil (1925) volume II, no capítulo IX intitulado “O Regime Colonial”, na pp. 73 vemos inserido o “Capítulo IX – Síntese das causas que atuaram na diferenciação do nosso espírito nacional.”pp. 278. Eis um resumo dessas causas em cinco pontos:
I - O Brasil colónia portuguesa ter ficado entregue aos colonos portugueses que a geriam de acordo às suas vontades e necessidades sendo motivo de orgulho “e de entusiasmo pela (nova) pátria; e ao mesmo tempo feridos de ressentimentos e queixas amargas contra a côrte;” (em Lisboa).
II - A convicção que os interesses da colónia e do reino de Portugal não se combinarem.
III - A enorme distância geográfica a afastar Portugal na Europa, e o Brasil na América do Sul.
IV - “O encontro” do europeu, ameríndio e do africano, originando uma “fusão” genético-cultural que teriam de ser “resolvidas” no Brasil. (Nem sempre pacífica diga-se. O itálico é nosso).
V - Um espírito colonial de conquista do interior (sertão), a partir de um esforço próprio considerado heróico pelos colonos na manutenção e defesa de um património que sempre defenderam (como seu) assim como o enriquecimento com as minas (mentalidade de novos-ricos). O “bandeirante e o mineiro” expressariam as derradeiras acções do período colonial no esforço de erigir uma nação (o Brasil). O século XIX (1800/1899) deixaria um travo amargo nos colonos portugueses de (...)“profundo ressentimento, uma desconfiança irredutível”(...)” em viva antipatia e repulsa por tudo que de lá nos vinha”(...). E do “antagonismo entre filhos da terra” (Brasil) “e filhos do reino” (Portugal). Passaria essa aversão para o próprio país e às suas instituições mais emblemáticas, acrescentaria Rocha Pombo (em 1925). O “desprendimento” a tudo relacionado com Portugal (mãe-pátria) seria a motivação para os (luso) brasileiros estarem por sua conta e risco.
É paradigmática esta “aversão” a tudo que vinha do reino de Portugal nas suas colónias por parte de seus descendentes, quer na América do sul (Brasil), em África, Ásia ou Oceânia (Timor).
Maranhão
Flash back (diacronia)
Segundo crónicas do séc. XVII, em 22 de Novembro de 1652, parte de Lisboa o padre António Vieira integrante de um grupo de outros missionários (Jesuítas) acompanhados por dois capitães-mor chegariam ao Maranhão (S. Luiz), situado entre o Pará do Belém na parte norte do Brasil e do nordeste Piauí (Teresina), Bahia (Salvador), e a sul, Tocantins-Palmas (Goiás). Esses oficiais traziam ordens expressas do Reino para “corrigir os excessos praticados pelos moradores” - colonos portugueses e outros europeus (?!) contra os ameríndios (guaranis) que eram brutalizados em trabalho escravo pelos proprietários de terras (outrora dos mesmos ameríndios). Ora essas e outras situações “normalizadoras” eram consideradas como ingerência nos ”negócios” da colónia e respondidas muitas vezes de armas na mão pelos colonos portugueses (brasileiros) contra as autoridades do reino de Portugal. Esse espírito seria eventualmente transmitido trans-geracionalmente aos dias de hoje, sem que na contemporaneidade, quiçá, se tenha a noção da origem desse sentimento, aliás, peculiar nas colónias de outras potências coloniais europeias de então, com algumas variantes. No entanto, o caso da gesta colonial portuguesa é sui generis. O português é por excelência um puro nómada global quinhentista. A essência da sua “necessidade aguça-lhe o engenho”. Fez-se ao mar repleto de Adamastores que o amedrontavam, e superou-se. Faz parte da sua índole lamentar-se. No entanto segue em frente. Ou pelo menos assim fazia. Insatisfeito com o seu torrão natal vai, parte, e o seu génio e mau génio, recriam outros Portugais em outras paragens longínquas e inóspitas como por exemplo pelo nordeste brasileiro de temperaturas elevadíssimas ou pela selva amazónica densa e húmida. Compõem em desgarrada um “Fado Tropical”(1). Rompe com a mãe-pátria na Europa. O caso português-brasileiro é paradigmático. No caso africano os ventos da história pregaram-lhe uma partida. Mas isso fica para outro dia com a letra (2) e a música do “Fado Tropical”.