Como se devem recordar, a Unidade
Africana transitou de uma normal organização de Estados soberanos onde as
diferenças eram – e são – notórias para uma tendencial organização supranacional
que visa a unificação de todos os Povos Africanos.
Ou seja, e de uma forma muito
simples, os dirigentes africanos estão a copiar os métodos, as regras, os
objectivos dos seus vizinhos do Norte, a União Europeia. Se é bom ou mal, o
tempo o dirá.
Eu, pessoalmente, sempre fui
crítico de juntar no mesmo saco culturas e vivências completamente
diferenciadas e que as recentes crises económicas e sociais europeias vão
evidenciando.
E tal como na Europa, também em
África, independentemente da maioria se considerar de ascendência Ba’ Ntu
(bantu) existem culturas etno-linguísticas e diferenciadas que se reflectem até
nas próprias relações externas e, porque não assumi-lo, internamente. E não
esqueçamos que a Norte predomina uma cultura árabe-caucasiana e a Leste uma
cultura miscenizada de núbia-bantu.
Por isso a criação da União
Africana foi um acto, reconheçamos arrojado, de alguns dos nossos dirigentes
mas que se tem mostrado pouco consistente e, não poucas vezes, demasiado
trôpego.
Mas será que se recordarão como
surgiu a ideia da União Africana, de onde partiu e quais os seus originais
objectivos? Resumamos…
Foi 9 de Setembro de 1999, em
Sirte (ou Syrte), Líbia, que o líder líbio Kadhafi propôs a criação de uma tal União
Africana, fazendo-o no pressuposto, e isto deve ser bem salientado e nunca
esquecido, que a mesma deveria ser só – repito e sublinho SÓ! – para os países
da África Negra abaixo do Deserto do Sahara, manifestando uma vontade
inequívoca de separar as duas Áfricas que, pudicamente, os nossos líderes
parecem ter já esquecido: a do predomínio árabe-caucasiana, a Norte, e a de
maioria Negra, a Sul.
Na altura, quando escrevi sobre
esta matéria, criticando e chamando a atenção para esta pseudo-simbiose de Kadhafi
que subjazia mais que uma separação Norte-Sul a vontade do líder líbio em ser
um líder máximo de África, como o tentou, em Julho de 2009, quando propôs a
criação de uma Autoridade para a União Africana que substituirá a actual
presidência da Comissão Africana que disporia de plenos poderes em matéria de
defesa, diplomacia e comércio internacional o que, na linguagem “diplomática”
do senhor Kadhafi seria um passo significativo para “um governo federal de uns
futuros Estados Unidos de África”.
Recordemos como Kadhafi se
auto-denominou o “Príncipe dos Príncipes africanos”, e, mais tarde, o “Rei dos
Reis africanos”, logo, arrogava-se de ser o líder de África.
Ouvi críticas acesas que iam
desde neocolonialismo a retro-conservadorismo. Como se costuma a dizer, se
temos razão antes do tempo, deveremos calar, amadurecer e mostrar que as pedras
enviadas acabam por nos formar a parede que nos protege e que nos permite
mostrar que se estávamos – e no caso de estarmos –, eventualmente errados, não
seria por muito como o tempo parece estar a comprovar.
A comprová-lo a sobreposição dos
moderados (os gradualistas), ou seja, aqueles que desejam a integração pautada
e com sobriedade dos Estados na União Africana, face aos mais expeditos (os
imediatistas), ou seja, aqueles que desejavam a imediata e plena integração dos
Estados africanos na nova organização e a criação dos Estados Unidos de África
e ao Governo Federal proposto por Kadhafi.
E se Mr. Kadhafi se
fortuitamente, esmoreceu não se calou como comprovam as veladas ameaças de
deixar cair a União Africana, chegando dar-se ao luxo de advertir os “grandes
países africanos” opostos ao seu Governo Federal contra a uma eventual
liderança nas sub-regiões, apelidando-os de “Sérvia Africana” ou de “Rússia
Africana”, porque, segundo o líder líbio, os tais “grandes países africanos” querem
transformar as sub-regiões em zonas de influência para vender os seus produtos
e os países em pseudo-colónias ou mini-Estados, mantendo uma eventual
influência e predominância directora sobre os que os rodeiam
Como bem temos verificado, sempre
que pode, e por vezes de forma nada discreta, o líder líbio tem intervindo na
vida interna de alguns países onde a maioria islâmica prevalece ou pode vir a
prevalecer. Aconteceu na Guiné-Bissau, quando da Cimeira da CPLP e quando propôs-se
instalar um Hotel para Negócios que estaria isento de taxas naquele país, como
tem contribuído, directa e indirectamente para a existência de múltiplos
conflitos na região chadiana e centro-africana.
A mais recente aconteceu já esta
semana ao apresentar uma palatal proposta aos nigerianos. Como se sabe a
Nigéria, o mais populoso país africano e o maior produtor de crude do
continente passa, ciclicamente, por convulsões internas sociais, políticas e,
principalmente, religiosas entre o Norte muçulmano, onde predomina a sharia e o
Sul maioritariamente animista e, ou, cristão, onde sobreleva o direito de raiz
ocidental.
Um Norte onde o deserto e a
pastorícia são denominadores comuns face à melhor qualidade de terras e de
prados que sobressaem no Sul e, com elas uma agricultura se bem que de
subsistência, levando, como habitualmente acontece entre os pastores estes
procurem estas pastagens para a sobrevivência do seu gado. Ora agricultura e
pastorícia nem sempre se dão bem e isso se tem verificado com as mortes
recentes ocorridas na região de Jos, no Centro da Nigéria.
Pois, o líder líbio não esteve a
fazer mais que propor ao mais populoso país de África, que se separe e crie um
País a Norte, só para os islâmicos, e outro a Sul, só para os outros. Ou seja,
que a se auto-destrua! Uma proposta tipicamente dos seus mortais inimigos
anglófonos (Reino Unido e os EUA): “se não se entendem que se dividam”; e,
assim, Kadhafi iria buscar mais um futuro aliado para a sua pretensão de
governar África além de acabar com um dos “grandes países africanos” que se lhe
opõem e aos seus Estados Unidos de África e Governo federal…
Os outros, embora não claramente
referenciados por Kadhafi, estão na África ocidental, perto do “hotel”, outro
na África oriental, na região dos Grandes Lagos, e os dois restantes na África
austral…
elaborado em 19/Mar/2009